A instalação de câmeras, que pode se tornar obrigatória a partir de 2023, é uma exigência da Organização Internacional de Aviação Civil (ICAO, na sigla em inglês), órgão das Nações Unidas, encarregada da normatização do transporte aéreo em todo o mundo e que está cobrando uma posição das autoridades brasileiras sobre o assunto. A decisão de instalação de câmeras surgiu após o acidente com o Airbus A320 da Germanwings, subsidiária da Lufthansa, em março de 2015, que provocou a morte de 144 passageiros e seis tripulantes.
O acidente foi causado pelo copiloto, Andreas Lubitz, de 27 anos, que aproveitou uma saída do piloto da cabine, para trancar a porta, e arremessar o avião contra os Alpes franceses, 41 minutos depois de decolar de Barcelona com destino a Dusseldorf. A investigação concluiu que Lubitz apresentava sinais de depressão severa, já tendo sido afastado anteriormente, para tratamento.
Um dos pilotos mais experientes do Brasil, hoje aposentado, com mais de 50 anos de aviação, Milliam Heyman não vê qualquer benefício no aumento da segurança dos voos com a instalação de câmera na cabine, e questiona:
"Se a câmera já existisse no acidente da Germanwings, teria evitado alguma coisa? Evidente que não. Eles podem até estar querendo usar isso como argumento, um argumento totalmente falho. Se querem impor a colocação de câmeras de segurança no cockpit, isso não contribuiria em nada para a segurança, até porque não se pode fazer nada. Esse piloto apresentou várias vezes que ele estava sendo vítima de um distúrbio de comportamento. A empresa e as autoridades alemãs não estavam alertas e nem o impediram de continuar voando", diz Heyman.
Para o piloto, a instalação de uma câmera no cockpit, além de invadir a intimidade da equipe de voo, a submete a um estresse ainda maior, na medida em que piloto, copiloto e demais integrantes na cabine se sentirão observados o tempo todo, o que pode levar a uma queda no desempenho. Segundo ele, mesmo nos constantes testes a que pilotos são submetidos — a licença só é válida por seis meses e só é renovada após exaustivos testes de saúde, aptidão física e psicológica —, já está previsto nos manuais do responsável pela checagem que o desempenho do piloto nos testes é de 70% do que ele normalmente teria.
Heyman lembra de uma ocorrência vivida por ele há muitos anos no aeroporto de Paramaribo, na Colômbia, à noite.
"Quando eu pousei, a torre me mandou ficar na pista e mandou outro avião decolar. Usei o reverso no escuro para dar marcha-a-ré, para tirar o avião da pista, e a única coisa que eu pensei foi: se eu atolar o avião aqui, a empresa vai me mandar embora. Você fica preocupado com o teu julgamento em evitar um acidente e o que isso pode repercutir contra você. Agora você imagina ter uma câmera ali te monitorando. Evidente que o desempenho dos pilotos vai estar prejudicado", diz Heyman, que questiona se as imagens transmitidas pela câmera no cockpit ficarão restritas ao controle da empresa aérea ou se poderão ser exibidas também para os passageiros durante o voo.
Com mais de 30 anos de experiência em rotas nacionais e internacionais, o piloto Roger Carvalho é outro que critica a decisão da ICAO de instalar câmeras nos cockpits. Para ele, a aviação é um dos modais de transporte mais seguros em todo o mundo, graças a uma série de fatores, como o treinamento dos pilotos e a cobrança de entidades públicas e privadas sobre essa preparação.
"O que aconteceu com a Germanwings foi um caso muito isolado. A gente tem que estudar exatamente o que aconteceu com aquele piloto. A câmera na cabine demonstra uma preocupação com a nossa segurança, no entanto ela não muda o status quo do que acontece dentro de uma cabine. Ela apenas vai trazer um certo respaldo à companhia em relação à segurança do voo. O que pode acontecer é um incômodo ao piloto, que está sabendo que está sendo filmado. Eu só vejo desvantagem. Mais uma câmera, além de custo para a empresa, não vai trazer benefício algum", afirma Carvalho, para quem a presença de câmera no cockpit vai comprometer os momentos de relaxamento e convivência entre os pilotos, tão importante para a própria segurança do voo, em especial os de maior duração.