Reportagem do jornal sul-coreano Korea Herald conta a história de vários norte-coreanos que, ao conseguirem uma vida melhor no vizinho do sul e tentarem ajudar os familiares e amigos que ficaram para trás, acabam sendo alvos dos mais diversos infortúnios.
Uma dessas histórias envolve Park (nome parcial, a pedido da entrevistada), uma mulher de 44 anos que fugiu da Coreia do Norte e de um passado de fome e miséria ao lado dos três filhos. Ela acabou conhecendo outro desertor que, em troca de uma comissão, conseguiria enviar os recursos de Park aos seus familiares.
Contudo, tudo não passava de um golpe. Ela perdeu todas as suas economias – US$ 17,9 mil –, que nunca chegaram aos seus entes queridos em Hyesan, na provícia de Ryanggang, no norte do país asiático.
“Eu tinha passado meses para encontrar esse cara, mas sem sucesso. É simplesmente ultrajante pensar que outros desertores, como eu, seriam facilmente enganados por esse tipo de fraude, perdendo as suas economias”, lamentou Park.
China no caminho
Embora não existam dados oficiais, quase 60% de 400 desertores, pesquisados pelo Centro de Banco de Dados baseado em Seul para os Direitos Humanos da Coreia do Norte, enviaram dinheiro para casa.
A Coreia do Sul não permite a remessa de fundos para a Coreia do Norte. Muitos acabam usando, ilegalmente, serviços por meio da China. De acordo com pesquisa do jornal local Chosun Ilbo, em janeiro de 2016, 140 de 200 desertores disseram que eles transferiram regularmente dinheiro para suas famílias no norte através de agentes baseados na China.
O principal problema é a falta de informação que acomete os desertores que buscam, geralmente em Seul, uma vida melhor para si e para suas famílias. É assim que acabam sendo vítimas de estelionatários, que se aproveitam da desinformação para lucrar.
“Não tinha muito dinheiro, já havia se passado apenas três meses depois que consegui um emprego como operário de fábrica. Então meu chefe me emprestou dinheiro para financiar o casamento do meu irmão mais velho no norte”, contou Cho, de 30 anos, outro desertor.
“Eu fui contatado por uma corretora de dinheiro, e concordamos com uma comissão de 15%. Mas depois de três meses, soube pela minha família que ela tomou muito [dinheiro] mais sem uma única palavra sobre isso”, relembrou.
Um desses corretores que atuam com a promessa de ajuda a desertores da Coreia do Norte explicou que o dinheiro não vai diretamente para o norte, passando por várias instâncias – geralmente na China –, até chegar (ou não) ao seu destino. Fatias dos recursos são tomadas, quase sempre sem a anuência de quem os envia, ao longo do caminho.
Esperança
O Ministério da Unificação vem tentando combater tais práticas, oferecendo cursos de prevenção contra golpes aos desertores norte-coreanos. Entretanto, as tensas relações entre os dois países representam um dos entraves. Outro é a dificuldade em monitorar tais transações.
Todavia, há quem tenha a sorte de ver o dinheiro suado chegar às mãos da família na Coreia do Norte. É o caso de uma mulher de 42 anos de nome Kim Hye-sook. De “coração partido” ao pensar nas condições de vida dos sobrinhos no norte, ela pretende seguir enviando dinheiro enquanto a saúde permitir.
“Às vezes, vários rostos de meus amigos veem à minha mente. Eu sempre me pergunto se as duas Coreias se reunirão para que eu possa vê-los novamente”, comentou.
Para especialistas, é possível que o fluxo de recursos de desertores possa vir a ajudar, a médio e longo prazo, no processo de reunificação na Península Coreana. A exposição a melhores condições de vida é um trunfo para quem espera, como Kim, pela união entre os dois países, separados há mais de 65 anos.