Após afirmar que o combate à corrupção terá todo o apoio e será prioridade em seu mandato, a nova procuradora-geral disse que cuidará para que o Congresso tenha limites no estabelecimento de acordos de delação premiada, não permitindo a inclusão de líderes de organizações criminosas nessas delações. Outro ponto que também deve ter nova conceituação será a contenção de excessos praticados em casos de abuso de autoridade, como vem sendo discutido desde o ano passado pelo Congresso em novo projeto de lei.
Em uma sabatina que começou pouco antes das 11 horas e terminou no início da noite, Raquel prometeu que agirá à frente do Ministério Público com "firmeza, equilíbrio, confiança e imparcialidade". Defensora da lista tríplice, ela foi o segundo nome apresentado pela Associação Nacional dos Procuradores. O primeiro nome, o de Nicolau Dino, não foi escolhido pelo presidente Michel Temer que quebrou, assim, uma tradição que vinha sendo respeitada desde o primeiro mandato do então presidente Lula. Nos corredores do Planalto, a explicação é de que o nome de Dino não foi bem aceito pelo Executivo, primeiro por ser o candidato apoiado por Janot e, em segundo lugar, por ser irmão do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), crítico contumaz das políticas de Temer.
Para o cientista social e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Eduardo Martins, a fala de Raquel fez menção a uma série de críticas que foram dirigidas a Janot, entre elas a de que o Ministério Público foi pouco eficaz no controle de vazamentos de informação que afetaram personalidades públicas, de que houve excesso no uso de prisões preventivas e de conduções coercitivas e que as delações premiadas devam estar dentro de um marco legal, permitindo a Justiça reverter acordos realizados.
"A fala é um tanto protocolar, cuidadosa para incorporar certas críticas, mas muito abstrata. Vamos ver como ela procede concretamente. No caso mais concreto, chama a atenção a posição dela com relação ao senador Aécio Neves (PSDB-MG). Aí há uma diferença clara em relação ao Rodrigo Janot. Enquanto ele pediu a prisão do Aécio, a Raquel diz que a decisão do ministro Marco Aurélio Mello (do STF) de que liberasse o senador para que ele voltasse às funções parlamentares, não é só acertada, mas deve ser estudada para formação de jurisprudência. Isso chama a atenção no dia de hoje no Brasil. Se por um lado temos a Justiça de primeira instância, com o juiz Sérgio Moro condenado Lula a nove anos e meio de prisão sem que haja nenhum elemento muito concreto, por outro temos o Ministério Público mostrando Aécio tendo pego R$ 2 milhões de um réu confesso de corrupção", afirma Martins.
O cientista social diz que chama a atenção a condescendência da nova procuradora com o ainda presidente do PSDB. Quando indagado se, no lugar de Janot, Raquel Dodge teria oferecido denúncia contra o presidente Michel Temer por corrupção passiva após a divulgação da conversa entre o presidente e o empresário Joesley Batista, em março, Martins afirma que, respeitando o entendimento dela sobre o caso de Aécio, a denúncia não seria apresentada.
"Aécio e temer estão se respaldando reciprocamente. Temer comemorou a volta de Aécio Neves ao Senado, e Aécio é um dos nomes que dentro do PSDB sustenta o apoio ao governo Temer. A Raquel Dodge certamente não foi pinçada da lista pelo Temer à toa. Alguma previsão de seu comportamento institucional o Temer certamente tinha. O que me chama a atenção por trás dessas falas gerais e abstratas é quais são as redes reais de poder com as quais a Raquel Dodge está se articulando."