A avaliação penosa sobre o país parte das manobras feitas pelo presidente Michel Temer (PMDB) para vencer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, já visualizando a análise em plenário da denúncia que pesa contra si.
“Me dá pena. Pena pelo Brasil por ver o que aconteceu com uma comissão que estava estudando as eventuais acusações, e tiveram que mudar a composição dessa comissão. E tudo indica que houve muita influência para poder colocar gente que não decepcionasse o governo. Tudo isso é muito triste. É um cenário que coloca o Brasil, na visão internacional, como uma república muito desprestigiada. O Brasil não merece isso”, avaliou Mujica à publicação.
Aos 82 anos, o uruguaio se declarou “lulista” e não petista, garantindo que confia na inocência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), recentemente condenado pelo juiz federal Sérgio Moro a nove anos e seis meses no caso do triplex do Guarujá (SP), em um dos inquéritos a que o petista responde na Operação Lava Jato.
“Acho que ele [Moro] está trabalhando no compasso desses setores ultraconservadores e, na verdade, o que se percebe é que pretendem fechar o caminho para a candidatura de Lula, porque de outra forma é difícil que possam evitar que ele vença. E isso não soluciona o problema endêmico que o Brasil tem, que é um sistema político muito perigoso, com mais de 30 partidos políticos. Ninguém tem a maioria. Cada lei é uma negociação à parte. Então, em vez de ser um parlamento, o Congresso acaba virando uma bolsa de valores”, disse.
Mujica ainda classificou como “golpe” o impeachment sofrido por Dilma Rousseff (PT) em 2016 e criticou as recentes reformas aprovadas pelo governo Temer.
“É um retrocesso. Porque, por exemplo, os trabalhadores rurais, tão importantes no Brasil, vão ficar praticamente sem aposentadoria. Porque ter que trabalhar esse montão de anos é praticamente impossível para uma vida normal. Eu acho que estão caminhando para mais de 50 anos de atraso”, destacou, afirmando que é dever do Estado ajudar na melhora, e não piora, da vida das pessoas.
O ex-presidente do Uruguai ainda falou sobre a América Latina (“acho que a América Latina, por sua história, tem um montão de países, mas ainda não conseguiu construir sua nação”) e revelou que tentou ajudar nas discussões em torno da crise na Venezuela, tentando inclusive conversar com o presidente do país, Nicolás Maduro.
Deu a entender, porém, que ninguém em Caracas lhe deu ouvidos. “Na Venezuela, estão todos muito exaltados e sem diálogo, e essa é a pior parte. Eles não atacam o principal problema, que é o econômico, resultado de depender de um produto só”, afirmou.