De acordo com especialistas, o fins militares do programa nuclear norte-coreano são claros, mas eles encobrem os objetivos diplomáticos que, em certos momentos, chegam a sobrepor em importância o aspecto bélico.
“O objetivo da Coreia do Norte ao lançar ICBMs, por melhor que tentemos entender o que Pyongyang está pensando, é separar os EUA da Coreia do Sul”, afirma o analista político norte-americano e especialista em Ásia, Sean King, ao jornal Korea Times.
Desde que assumiu a Coreia do Sul, o presidente Moon Jae-in vem tentando se aproximar do líder norte-coreano Kim Jong-un. As ofertas de abrir negociações foram rechaçadas ou simplesmente ignoradas pelo regime comunista, que exige o fim das hostilidades para começar a considerar a possibilidade de negociações formais.
Entretanto, em mais de um comunicado a Coreia do Norte já destacou que Seul deve ficar de fora dos assuntos relativos ao seu programa nuclear. Associando-se essa posição aos testes balísticos, Pyongyang vai desenvolvendo uma estratégia cada vez mais clara.
“Em outras palavras, para amedrontar os EUA suficientemente que entraremos diretamente em conversações de paz com Pyongyang, ao mesmo tempo enfraquecendo o aliado sul-coreano”, explica King.
Descaso e objetivos
Em julho, o governo da Coreia do Sul sugeriu tratativas ao Norte para diminuir as tensões e permitir o encontro de famílias que estão separadas desde o armistício que paralisou a Guerra da Coreia (1950-1953). A oferta não foi a lugar nenhum e, dias depois, Pyongyang realizou o lançamento do seu segundo ICBM.
Há uma forte expectativa de que a Coreia do Norte voltará a realizar testes balísticos neste mês. Existe ainda a perspectiva de que o país possa conduzir o sexto teste nuclear de sua história, segundo informações da inteligência em Washington e Seul. Tudo isso em nada indica um caminho diplomático para o fim da crise.
“A intenção norte-coreana é desenvolver rapidamente um ICBM nuclear [capaz de atingir os EUA] e usar como moeda junto à Casa Branca para quebrar a aliança na península entre os EUA e a Coreia do Sul”, avalia o integrante do Fórum do Pacífico CSIS, Tara O.
“O objetivo final é unificar a Península Coreana sob o seu próprio regime. Kim quer também demonstrar proeza técnica através do desenvolvimento de armas nucleares para reforçar sua legitimidade no país”, emenda.
Segundo analistas, o maior desafio para a Coreia do Sul é compreender a estratégia norte-coreana e responder de acordo com a situação. Está claro que a Coreia do Norte não abrirá mão de medidas em prol da sua segurança – e isso passa pelo desenvolvimento do programa nuclear, sem espaço para a desnuclearização exigida pelos EUA.
“A intenção da Coreia do Norte [com os testes balísticos] é adquirir o que acredita ser o único método de dissuasão suficiente contra os EUA”, diz Balbina Hwang, professor visitante do Centro de Estudos de Segurança da Universidade de Georgetown.
“[O regime] também acredita que as armas nucleares e seus sistemas de lançamento não só garantem sua segurança, mas tornam o país relativamente mais poderoso do que a Coreia do Sul”, completa Hwang.
O que fazer, Trump?
A urgência de Pyongyang no desenvolvimento dos seus objetivos bélicos também se justifica. O presidente estadunidense Donald Trump havia prometido que o país asiático não iria conseguir desenvolver um ICBM sob o seu governo. Acabou desmentido pelos recentes testes realizados em julho, o que colocou ainda mais pressão sobre ele por uma solução.
“Muitos em Pyongyang provavelmente se perguntam por que [os EUA] não terminam com eles antes que seja tarde demais”, comenta William Brown, professor adjunto da Georgetown School of Foreign Service.
Autoridades dos EUA garantem que todas as opções “estão sobre a mesa”, incluindo uma iniciativa militar. Todavia, os riscos são muito grandes – o chefe do Pentágono, James Mattis, estimou em “milhares de vidas” as perdas em caso de guerra – e Washington prefere, por ora, insistir em novas sanções para sufocar e pressionar o regime.
“Eles estão com uma corrida louca para terminar o trabalho para que eles possam se sentir seguros com a capacidade de lutar se os EUA ou a Coreia do Sul os atacarem”, pondera Brown.
Nesse jogo de espera e de paciência, por enquanto a Coreia do Norte parece em vantagem. Para a comunidade internacional, o maior medo é que algum dos lados cometa um erro de cálculo, seja Pyongyang em seus testes, seja EUA e Coreia do Sul em suas respostas às provocações.