A Sputnik Brasil visitou uma das maiores universidades e centros de pesquisa da região, a cátedra de Teoria Física da Universidade Estatal de Chelyabinsk, e falou com Sergei Zamozdra, astrofísico e ex-participante da expedição que se ocupou de encontrar os pedaços do corpo celeste no lago de Chebarkul.
O cientista contou-nos que o meteorito de Chelyabinsk foi, literalmente, recolhido por toda a região, com milhares de pedaços pequeninos e grandes, dado que o peso total dos achados se somou em cerca de uma tonelada. Além disso, a maior parte do corpo celeste, que levou os habitantes da área a pensar sobre o possível início de uma guerra nuclear, é o quarto maior meteorito rochoso que alguma vez atingiu a Terra.
Sputnik Brasil: Será que algumas pesquisas ainda se estão levando a cabo, sendo que o meteorito se alastrou por um território tão vasto?
Sergei Zamozdra: Pouco a pouco, claro, pois [os restos do meteorito] constituem material para ser investigado. Já que foram encontrados tantos fragmentos, o meteorito "voou" por todo o mundo, para diferentes laboratórios. Primeiro, foram enriquecidas as coleções de colecionadores privados, bem como as coleções cientificas. Segundo, realizam-se pesquisas, por exemplo, sobre a dureza dos pedaços. É uma das questões mais importantes — qual é a dureza dos meteoritos, por disso depender quantos fragmentos produziriam, que território abrangeriam, pois caso seja muito duro, o corpo celeste não se destruiria, chocaria contra a Terra e criaria uma cratera enorme. […] Claro que isso seria muito mais perigoso, pois ele [um tal meteorito] pode destruir um grande edifício e matar pessoas.
S: Ou seja, os habitantes de Chelyabinsk, de fato, tiveram sorte?
Por mais cínico que pareça, se pode dizer, verdadeiramente, que tais casos são uma espécie de prenda para os cientistas, pois estes ganham uma oportunidade inédita de fazer novas descobertas. Por exemplo, sublinha Zamozdra, tais corpos celestes ajudam a encontrar novas ligas de metais. No caso do meteorito de Chelyabinsk, esperava-se encontrar uma liga de ferro e níquel em proporção de 50/50.
"É uma liga muito rara, sua peculiaridade consiste em que ela preserva os dados sobre o campo magnético por muito tempo. Ainda dentro de um Sistema Solar muito jovem, quando se formavam os asteroides, o campo magnético ficou gravado lá que nem em um disco rígido. Contudo, não conseguimos encontrar essa liga no nosso meteorito", conta o cientista, adiantando que em tais casos também se tenta achar combinações orgânicas, pois os meteoritos alegadamente teriam capacidade de transportar esporos de bactérias e até vegetais de outros planetas.
Entretanto, não são apenas os cientistas que mostraram interesse pelo fenômeno natural. Após a queda, na região se deu uma verdadeira "febre do meteorito", quando centenas de pessoas se entregaram ao calor da busca científica e se lançaram à "caça ao desconhecido" em florestas logo após a neve se derreter.
S: Nos tempos modernos, cheios de tensões políticas e ameaças, todo o mundo, inclusive a Rússia, se dedica ao desenvolvimento de potentes sistemas de defesa antimíssil e antiaérea. Mas será que existe uma razão e oportunidade para criar um complexo análogo de defesa antimeteorito?
De acordo com o cientista, tudo "se resume às mentes, as pessoas devem guerrear menos e fazer mais para o bem comum".
Por enquanto, há certas dificuldades na previsão de tais quedas, especialmente caso um meteorito seja pequeno. No caso do meteorito de Chelyabinsk, seu comprimento era de cerca de 20 metros na entrada na atmosfera terrestre e, além disso, ele se movia do lado do Sol. Segundo frisa Zamozdra, o corpo celeste, nessas condições, é quase impossível de ser detectado.
"Caso ele tivesse voado do lado oposto, poderia ter sido detectado com 12 horas de antecedência por algum telescópio, o Hubble, por exemplo, ou por algum outro telescópio potente. Mas quando voa do lado do Sol, tudo fica encandeado, não há nada a fazer. Por isso, claro, é preciso colocar telescópios no espaço, para que estes vigiem todo o céu desde pontos especiais, onde não fiquem cegados pelo Sol", explica o pesquisador russo.
S: A propósito, houve algum tipo de cooperação com a NASA no processo de buscas e investigações?
S: Se entendi bem, você também participou da expedição de buscas. Sabe-se que levou bastante tempo para encontrar o maior pedaço do meteorito dentro da cratera. Por que aconteceu isso?
SZ: Quanto ao maior fragmento, se conhecia onde ele caiu, mas não o conseguiram tirar logo daí. Ele caiu no lago de Chebarkul e criou uma cratera de oito metros de diâmetro. O problema é que o lago é muito antigo e tem uma grossa camada de lodo. Há 10 metros de água e outros 10 metros de lodo, por isso os mergulhadores não conseguiam detectar nada por muito tempo. Foi preciso criar uma grande escavação, de 30 metros, mas não foi logo, foi depois de 6 meses, no outono [o meteorito caiu em fevereiro].
De fato, cria-se uma impressão que a região dos Urais tem uma certa "sorte" no que se trata de quedas dos corpos celestes, podemos relembrar o meteorito Kunashak de 1949 ou o evento de Tunguska de 1908. O cientista frisa que ao longo do último século houve cerca de 5 fenômenos dessa espécie que ocorreram nas áreas próximas a Chelyabinsk.
"Trata-se da Europa, particularmente, onde há a rede de bólides mais densa do mundo. Há também nos EUA, na Austrália. Aqui, na Rússia, tal rede apenas começa a ser construída pelos nossos colegas da Universidade Federal dos Urais", revelou.
O cientista também relembrou o chamado "tunguska brasileiro", ou seja, um fenômeno natural que ocorreu na Amazônia em 1930 e foi muito parecido ao incidente análogo na Rússia. Na época, os habitantes locais ficaram tão assustados com a explosão e o incêndio consequente que o consideraram como um prenúncio do Armageddon, alguns até começaram tomando veneno com o pânico. O mistério comum em ambos os casos foi a ausência de pedaços achados.
S: Por que tanto em Tunguska como no Amazonas não conseguiram encontrar quaisquer rastros da queda?
S: Entre as pessoas comuns às vezes dá para ouvir teorias que não houve nenhum meteorito, mas sim testes de uma nova arma, por exemplo, estadunidense. Eu própria já ouvi falar sobre isso. Como você poderia comentar tais suposições bem extravagantes?
SZ: São teorias que não têm nada a ver com ciência. Primeiro, foi encontrado um grande número de lascas, fragmentos, e pedrinhas mesmo. Caso contrário, teríamos encontrado pedaços de ferro, equipamentos eletrônicos, aqui há apenas material natural. Segundo, se tivesse ocorrido uma explosão nuclear, teríamos detectado altos níveis de radiação. […] No lago estava tudo limpinho. […] Ou seja, descartamos uma hipótese nuclear. Contudo, os armamentos convencionais não teriam produzido tal efeito, pois a potência da explosão [do meteorito de Chelyabinsk] foi equivalente a 30 bombas de Hiroshima. Estes são os principais argumentos.