No Rio, a manifestação ocorreu em frente à sede da Eletrobras, na Avenida Presidente Vargas, esquina da Avenida Rio Branco, de onde os manifestantes saíram em caminhada até a Cinelândia. Durante o percurso, sindicalistas explicavam à população que a venda do sistema vai acarretar grande prejuízo para os consumidores, que sofrerão grandes reajustes em suas contas de luz. Sindicalistas afirmam também que a privatização do sistema terá impacto social, na medida em que será comprometido o serviço, principalmente nas localidades mais remotas do interior do país. No final da tarde, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou da manifestação no Largo da Carioca.
O sistema Eletrobras é formado por 16 subsidiárias, incluindo usinas elétricas e empresas de transmissão. O processo desenhado pelo governo prevê a venda de todo o sistema, menos as usinas atômicas de Angra 1 e Angra 2 e a Hidrelétrica Binacional de Itaipu com o Paraguai. Mesmo do ponto de vista financeiro, os funcionários da Eletrobras garantem que a venda não se justifica. A empresa fechou 2016 com lucro líquido de R$ 3,4 bilhões e tem plano de investimento de R$ 35,8 bilhões até 2021.
A Sputnik Brasil ouviu com exclusividade Emanoel Mendes, diretor do Sindicato dos Eletricitários do Estado do Rio de Janeiro, que se mostra visivelmente contrário a venda do sistema, apesar do aceno, feito pela equipe econômica, de que o governo pode manter uma participação de até 30% nas empresas privatizadas.
"A sociedade só tem a perder. Privatizar a Eletrobras significa que a sociedade perderá duas vezes, porque terá reajustes abusivos na conta de energia. As usinas que vendem energia para as empresas revenderem cobram R$ 40 por megawatt/hora, enquanto as empresas privadas repassam para o consumidor a R$ 200", dispara o sindicalista, lembrando que todo o sistema Eletrobras tem hoje entre 21 mil e 22 mil trabalhadores em todo o território e que, dentro do processo de reestruturação que atravessa, está enxuta no momento.
Mendes diz que só as distribuidoras do Norte do país, como a Cepisa, Ceron, têm cerca de seis mil funcionários, e prestam um importante serviço social para a região, que não interessa ao capital privado. Elas não dão lucro, por isso nenhum empresário quer comprar.
"O que o governo diz que vai reajustar a conta de luz daquelas distribuidoras em mais ou menos 64% para que ela seja atrativa ao capital privado. Se acontecer isso, aquelas regiões mais do interior do Norte, Nordeste certamente não terão energia elétrica em suas casas. O governo quer vender a Eletrobras por R$ 20 bilhões, quando o patrimônio do sistema como um todo vale R$ 400 bilhões", desabafa Mendes.
Seja como for, os números do sistema Eletrobras impressionam. A empresa participa com um terço da geração de energia no país, com uma produção de 46.856 MW em 2016. São 47 usinas, sendo 17 térmicas, 69 eólicas e uma solar, com uma geração de 94% de fontes limpas com baixa emissão de gases do efeito estufa.
Com uma visão oposta a dos opositores á venda do sistema, Jean Franco, diretor da Smart energia, uma das mais conceituadas consultorias do setor, diz que a Eletrobras vem enfrentando nos últimos anos uma série de grandes prejuízos causados pelo uso político do represamento das tarifas.
"A Eletrobras se tornou um caso urgente e importante para ser resolvido. O prejuízo entre os anos de 2013, 2014, 2015 acumulado — apesar do lucro do ano passado — chegou a R$ 30 bilhões. O uso da Eletrobras para fins políticos é notório e histórico. Esse prejuízo começou na verdade em 2012, com o desconto extraordinário resultado de uma ação do dia 11 de setembro de 2012 e que começou a valer com uma queda das tarifas em janeiro de 2013", lembra o consultor.
Para justificar a eficiência da iniciativa privada na área de energia, Franco cita o caso da Enge, uma das geradoras fruto de privatização de parte da Eletrosul, que tem apresentado faturamento de R$ 6, R$ 7 bilhões, com lucro de R$ 1,5 bilhão nos últimos anos. Segundo ele, a privatização da Eletrobras vai trazer a competitividade de que a empresa precisa. "A empresa faturou R$ 60 bilhões no ano passado e lucrou apenas R$ 3,5 bi, margem de 5%, quando uma margem saudável para uma empresa desse setor oscilaria facilmente entre 10% a 20%."
Quanto à alegação que a privatização da Eletrobras prejudicaria sobretudo os consumidores do interior do país, o diretor da Smart Energia afirma que cada empresa, privada ou estatal, de distribuição de energia no Brasil tem o dever de atender às solicitações de conexão de energia. Segundo o consultor, no caso de uma empresa privada ela tem o maior interesse em fazer um novo ramal.
Falando sobre a participação de governos na gestão de sistemas de energia, Franco cita o caso de vários países como os europeus e os EUA, onde a gestão privada tem se mostrado muito eficiente na gestão de recursos.
"É complexo deixar usinas de energia sob concessão pública à iniciativa privada? É, mas é uma concessão com regras, direitos e obrigações. O que é pior para a população? A empresa fornecer energia a um preço relativamente baixo, mas gerando prejuízo de R$ 30 bilhões ou a empesa ter um preço justo de energia que remunere seus ativos, se mantenha saudável e aumente sua capacidade de investimento?", questiona.
O diretor da Smart Energia cita grupos chineses — que têm investido pesado nos últimos anos em projetos de infraestrutura no país — como alguns dos maiores interessados em arrematar empresas da Eletrobras, seja em geração, seja em transmissão. Franco também aposta na participação de grupos nacionais até em consórcios com estrangeiros.