Embora não haja um consenso entre os historiadores sobre a condição da Catalunha como um Estado independente em algum momento da história, é de conhecimento geral que, antes de 1714, ano que marcou o final da Guerra da Sucessão Espanhola, a região gozava de uma autonomia muito grande, em vários níveis, em relação ao governo espanhol, que acabou sendo perdida com a confirmação de Filipe V como rei. Mais tarde, já no século XIX, os catalães passam a experimentar um forte sentimento nacionalista, marcado por uma língua própria, cultura própria e pelo desenvolvimento industrial, que faria da região um motor econômico da Espanha.
Nos anos 1930, a Catalunha conquista novamente uma autonomia política que é logo suprimida pela subida ao poder do general Francisco Franco, responsável por uma ditadura que duraria quatro décadas, com todo o poder concentrado em Madri. A democratização do país, nos anos 1970, devolveu a autonomia à região, mas a reivindicação independentista não foi muito expressiva, até 2006, quando as autoridades catalãs adotaram um novo estatuto para a comunidade, definindo a Catalunha como nação. De lá pra cá, o desejo de separação ganhou força principalmente após a crise econômica que atingiu a Espanha, gerando ainda mais revolta entre os catalães por conta do déficit orçamentário, estimado em 16 bilhões de euros.
E o Sul com isso?
Motivados pelo referendo catalão, representantes do movimento O Sul é o Meu País marcaram para o próximo final de semana a realização de uma consulta popular sobre a possível emancipação dos três estados da região do resto do Brasil, com o objetivo de criar uma nova pátria, formada por Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
De acordo com seus organizadores, a medida tem caráter pacífico e democrático, embora não tenha valor legal, já que não tem aprovação do Congresso Nacional. Ao contrário do que muitos afirmam, segundo Celso Deucher, um dos fundadores do movimento, a história emancipatória do Sul do Brasil teria tido início muito antes do que se imagina, muito antes até da consolidação das atuais fronteiras do país. Para ele, a reivindicação de hoje dos sulistas seria uma espécie de nova versão de uma luta inaugurada em meados do século XVI, no Guaíra, e fortalecida mais tarde nas revoluções Farroupilha e Federalista.
Ao contrário da Catalunha, os sulistas brasileiros se afirmam, culturalmente, numa diversidade que, segundo eles, seria característica da região, onde, se não fosse o Estado brasileiro, poderiam falar fluentemente o guarani e seus dialetos, o espanhol, o italiano, o polonês, o alemão e o japonês, além do próprio português.
"Um povo unido pela sua diversidade étnica e cultural. Por isso nosso orgulho de lutarmos juntos moldando nossa unidade pela nossa diversidade", diz Deucher, descrevendo os ativistas do Sul como "herdeiros de uma tradição de resistência a opressão do poder central, hoje encastelado em Brasília".
"Nada a ver O Sul é Meu País com a Catalunha, lá eles falam outra língua"
— El (@novosomsalvador) 3 de outubro de 2017
Aqui também. O Brasil fala português e o separatista fala merda.
Se não há uma unidade cultural ou linguística envolvida no desejo de emancipação, o que mais motiva os militantes do O Sul é o Meu País?
Em recente entrevista, Celso Deucher utilizou o argumento econômico, fiscal, o mesmo que desencadeou a atual insatisfação popular na Catalunha, para justificar a separação dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. De acordo com ele, sob a liderança de Brasília, a região sofre com o preconceito fiscal e a perda de recursos, sendo relegada a um nível de quase "inexistência" no país, apesar dos seus quase 30 milhões de habitantes e de sua renda per capita maior.
Em resumo, a lógica sulista de emancipação é a de que uma região que, ao contrário da Catalunha, não possui uma unidade cultural e linguística nem experimentou autonomias políticas e administrativas oficialmente reconhecidas pelo Estado brasileiro tem o direito de cogitar a independência com base em um sentimento de discriminação fiscal e na ideia de que suas diversidades culturais formariam uma unidade que afastaria significativamente o Sul do resto do Brasil.
Os caras d'O Sul É O Meu País fazem uma """""""votação""""""", mas se você quer votar "não", eles nem querem que você vote.
— 🎧 Doutor Renato (@tatato) 4 de outubro de 2017
Tenha a ver ou não com a situação da Catalunha, o movimento de emancipação do Sul do Brasil realizará o seu plebiscito no próximo sábado, 7, das 8h às 20h, em diferentes cidades dos três estados. Os locais de votação podem ser conferidos no endereço plebisul.sullivre.org.