Volta ao mundo sim, talvez já não pareça algo da realidade paralela. Mas uma volta ao mundo de moto já parece ser muito mais complicada. Militar na reserva da Marinha brasileira, uma mulher que impressiona pela sua força de vontade, Gean ousou fazer esta aventura logo após ir para a reserva e… sem nenhuma experiência de motociclista.
A viagem da mulher começou em maio e ela já visitou 28 países, atravessando todas as Américas, várias partes da Europa e agora, a cidade russa de São Petersburgo.
Sputnik Brasil: Como é que veio essa ideia de viajar de moto por todo o mundo, uma ideia bem impressionante e até, para algumas pessoas, louca em algum sentido?
Gean Neide Andrade: Eu sou militar, e um ano antes de ir para reserva eu me divorciei. E eu tinha feito um plano, quer dizer, nós tínhamos feito um plano na época de casada, que quando fôssemos para a reserva da Marinha do Brasil, a gente faria uma grande viagem de moto. Só que me separei e resolvi fazer essa viagem sozinha. A primeira viagem foi para o deserto do Atacama, no Chile. […] A minha filha fez uma parte dessa viagem comigo como acompanhante, na garupa. E fazendo uma viagem para a Cordilheira dos Andes, para o deserto do Atacama, eu não tinha experiência nenhuma de moto. Eu tenho 49 anos e nunca tinha tido a minha própria moto. […] Durante o planejamento eu me perguntei: por que não fazer a volta ao mundo? E por que fazer essa viagem? Primeiro, porque a possibilidade de ir para casa e deixar de aprender e achar que sabe tudo, acho que é muito grave. […] Eu, sinceramente, acho que não sei de nada. Então precisava me testar. Outra coisa que era ir além dos meus limites: as pessoas, normalmente, não fazem uma viagem desse tipo só. Para a mulher, então, é muito difícil, no mundo poucas fizeram. E aí, eu pensei: eu vou testar até que ponto eu posso ir. E foi assim que comecei. Na verdade, foi uma busca de mim mesma.
Falando sobre segurança, que parece um problema real, Gean revela que não inventou nenhuns truques específicos a esse respeito, mas procurou observar pelo menos algumas medidas de precaução.
"Eu passei por muita coisa e passo por muitas coisas que realmente nos coloca na posição de bastante insegurança. A verdade é que você toma algumas precauções, tipo você não dá muita informação para as pessoas que não fazem parte do seu universo, por exemplo. Você chega num lugar e as pessoas perguntam: 'Para onde você vai, você vem de onde?' É melhor que você evite falar muito sobre isso", aconselha a motociclista.
Contudo, por mais que previna, às vezes a gente não pode escapar às situações de risco. Em uma delas, Gean confessa ter sido salva por mera sorte.
"Por exemplo, eu fui seguida na Guatemala por dois homens armados na moto. […] Mas a minha moto era mais forte do que era a deles e eu consegui fugir", diz.
SB: E será que sua experiência na Marinha lhe ajudou de alguma maneira na determinação, resiliência, talvez?
GNA: Sim. Na verdade, entrei na Marinha como enfermeira, mas lá fiz um curso de mergulho, e acredito que ainda sou a única mergulhadora da Marinha. É um curso de uma atividade especial. Você termina tendo resiliência, eu acho que isso me ajudou muito. Me ajuda todos os dias. Mas é fato que você viajar de moto sozinha pelo mundo, seja homem ou mulher, é muito novo, é uma novidade, surpreendente demais. Então, você tem resiliência, sim, e o preparo militar ajuda muito, mas acredite, o novo surge a cada dia e você percebe que não estava preparada.
Porém, pela voz entusiasmada da mulher, dá para entender que todo o tipo de desconforto e risco vale a pena por oportunidades e histórias incríveis que a viagem oferece. Gean confessa ter tido "histórias de vitórias, de descarga de adrenalina, nas quais você se sente em paz com o universo depois de você ter tido medo de morrer". Após tais situações, manifesta ela, você descobre que só ficar respirando é uma maravilha.
Às vezes, há situações temíveis que se tornam engraçadas ao serem contadas.
Todavia, a coisa mais incrível em toda essa aventura são as pessoas, às vezes absurdamente interessantes, diz a enfermeira militar. Para ela, o encontro com novas culturas é algo em que consiste uma das suas aspirações.
Além disso, novos encontros ajudam não só do ponto de vista emocional e psicológico, mas até logístico.
SB: E quanto ao financiamento, parece que houve bastante poupança, né? Será que para viajar tanto pelo mundo inteiro precisou economizar por muito tempo?
Gean elogia sua nova amiga Yulia, na casa de quem ficou em São Petersburgo, dizendo que no início elas nem se conheciam, mas agora a russa já não quer deixá-la ir embora.
"Por exemplo, a Yulia não me conhecia, mas conhece um amigo meu brasileiro, apesar de eu mesma nunca tê-lo visto pessoalmente. Ele acompanhou minha viagem pelas redes sociais, e aí, ele falou com a amiga e ela me hospedou. Hoje em dia isso acontece comigo em todos os lugares", desabafa.
SB: Quanto à diversidade de culturas da qual já falamos, como você achou a mentalidade, digamos, e cultura russas? Acha que somos semelhantes de algum ponto de vista?
GNA: Por incrível que pareça para as pessoas que não conhecem a Rússia, eu achei muita semelhança entre o brasileiro e o russo. [Pode ser mais] fechado, mas é só impressão inicial, aquela coisa do contato inicial. Então, eu acho que a gente tem o mesmo pensamento, a mesma alegria de viver. […] A gente não fala a mesma língua, mas eu me sinto em casa, eu me sinto entre eles. Não é uma coisa que eu sinto em todos os países.
A motociclista enfatiza que a recepção superou todas as suas expectativas:
"E então, eles me receberam. Sabe, é incrível como a gente é irmão independentemente do lugar onde a gente mora. Eles, os líderes do clube, são extremamente generosos, foram extremamente receptivos comigo. Eu não esperava […] Eles têm uma palavra de ordem, né, em russo, que eu não entendo, e tem uma cadeira no meio, uma só, e aí o líder mandou sentar. Eu disse: 'Não, pelo amor de Deus, não vou sentar, essa cadeira aqui é do dono', [mas insistiram]."
Entretanto, a estadia de Gean na Rússia não era para durar. Ela prefere não perder tempo e já se lança em novas direções para conhecer outras culturas e tradições, porém… com hipótese de voltar à Rússia de novo.
"Eu tenho, na verdade, um plano até a Croácia. Quando chegar à Croácia, eu decido se eu vou para esquerda, voltando para a Rússia pelo Cazaquistão e a Ásia e mando minha moto de volta, ou se eu volto pela Europa, por Portugal. Eu não tenho certeza: primeiro, é que no inverno está ficando mais difícil, ir à Sibéria agora vai ser mais complicado. Segundo, pelo dinheiro também. Já estou há 4 meses viajando e, como a gente conversou no início, quem patrocina essa viagem sou eu", resume a aventureira com ar otimista e voz repleta de entusiasmo.