Os moradores do país ortodoxo estão se preparando para o pior, acusando o primeiro-ministro Alexis Tsipras de favorecer Berlim e Bruxelas.
Neste artigo, a Sputnik explicará por que a lei adotada é capaz de provocar uma catástrofe para as autoridades gregas e como o escândalo bate em todas as portas da Europa cristã.
"Igreja é mais forte do que o governo"
Uma moradora de Atenas, Aleksandra, recorda que, quando adolescente, ouviu em uma igreja as palavras de um sacerdote sobre gays "criarem outros gays", que a propagação da homossexualidade fará com que o país fique "extremamente vulnerável a possíveis ataques da Turquia".
"Mas agora sou lésbica que passei pela cirurgia de mudança de sexo e me sinto livre e orgulhosa. A Igreja pode encarar as coisas do seu jeito, mas suas visões não devem afetar nos direitos humanos fundamentais na Europa unida", afirmou ela.
Contudo, a maior parte dos conterrâneos de Aleksandra não compartilha essa opinião. Muitos gregos apoiam a Igreja, que conta com uma autoridade gritante no país. Na constituição, cristianismo ortodoxo é "a religião dominante na Grécia"; mais de 90% dos cidadãos se dizem ortodoxos.
A Igreja da Grécia, uma igreja autocéfala sediada em Atenas, é praticamente uma instituição estatal já que seu clero recebe dinheiro público.
Porém, apesar de tudo, a lei foi aprovada, com uma preponderância mínima de votos. A discussão em torno do documento envolve até mesmo pessoas mais influentes do país. Assim, respondendo à observação de um parlamentar grego de que a Igreja "se opõe demais", o patriarca Jerônimo II de Atenas apelou para que a política e a religião não se separem:
"Você pergunta qual é o papel da Igreja não apenas na Europa, mas em todo o mundo? Eu respondo: nossa Igreja pode oferecer mais do que todas as embaixadas da Grécia", replicou o patriarca a seu oponente.
É fato, o poder da igreja ortodoxa grega é colossal. Ela une milhões de gregos dentro e fora do país. O clero grego até tem acesso à Casa Branca. Graças a essa instituição religiosa, Alexis Tsipras reforçou relações amistosas com o mundo islâmico, iniciadas com projeto de restauração da capela que guarda o túmulo de Jesus, tendo a Jordânia como país financiador da iniciativa.
"Mancha preta" para o premiê
Há muito tempo, o clero grego deu a Tsipras uma "mancha preta". Em 2015, Grécia se tornou o primeiro país ortodoxo a legalizar casamentos homossexuais, fazendo com que bispos influentes quase que unanimemente amaldiçoassem o primeiro-ministro, desejando-lhe "queimar no inferno".
Em resposta, a autoridade política do país não hesitou a declarar publicamente que não acredita em Deus. Agora o assunto em questão trata-se do destino do premiê, mas ele continua firme e forte em seu cargo.
"Eu peço aos políticos que votaram a favor da aprovação da lei para parar de frequentar igrejas, bem como de mentir para nós em busca de votos nas eleições. Para que precisamos deles?", ressaltou um metropolita grego.
Monges de Atos agem contra Tsipras ainda mais radicalmente. O Monte Atos constitui praticamente um governo dentro do governo, e seus "cidadãos" contam com uma grande autoridade na vida social do país. Os monges de Atos viajam por toda a Grécia pregando ensinamentos, aparecem na televisão e até têm seus próprios programas de discursão. Até mesmo integrantes do partido Gregos Independentes, que apoia o de Tsipras SYRIZA, juntaram-se aos monges de Atos.
"Na nossa Pátria ortodoxa a vontade de Deus está legalmente e abertamente desafiada", monges de Atos profetizaram "catástrofe" na Grécia.
Outros monges da Grécia se referem a políticos gregos como Judas, por terem usado a lei para conseguir dinheiro da União Europeia. E afirmam que vão "defender até o fim" a regra antiga: só podem entrar homens no Monte Atos.
Porém, oficialmente, a Igreja da Grécia age em conformidade com as tradições da diplomacia bizantina: um dia reclama das ações de Tsipras, mas em outro lhe deseja "grandes êxitos na política externa". Este tipo de comportamento irrita os monges de Atos, bem como simples fiéis. Alguns especialistas até apontam para a probabilidade de grande divisão de igrejas.
Démarche de milhões
"O fato de ele [Putin] ter recebido permissão para entrar no Monte Atos demonstra admiração e reconhecimento ao trabalho do governo russo. Não deixaram Tsipras entrar e tal decisão é bastante lógica. Antes de permitir que alguém entre na região, seus moradores analisam a atividade política do interessado. Tsipras é um político esquerdista, que valoriza mais considerações seculares do que religiosas, sendo isso suficiente para que sua entrada ao Monte Atos seja proibida", frisa Arkady Maler, especialista russo em política e filosofia.
De acordo com o especialista russo, é importante destacar a posição da Igreja russa, que tem fortalecido sua influência no mundo ortodoxo. Há muito tempo, o seguimento religioso ortodoxo russo defende valores tradicionais. Foi a Igreja russa que avisou para a Grécia e toda a Europa sobre a possibilidade de rebelião dos discípulos de Cristo.
De acordo com o chefe do Departamento de Relações Exteriores da Igreja do Patriarcado de Moscou, metropolita Ilarion Volokamsky, atualmente na Grécia é percebida a situação "em que as autoridades legalizam ações contra doutrina ortodoxa, impulsionando, assim, organização de rebelião civil pela Igreja".
Tudo indica que todas as opções estão sendo analisadas pela Igreja da Grécia. No país, abalado por problemas econômicos, isso pode resultar em protesto maciço.
"A Igreja já por várias vezes entrou em confronto com o governo de Tsipras, quando as autoridades cortaram drasticamente o financiamento da Igreja durante a crise. Mas isto não resultou em 'queda' do premiê. Neste caso, a situação é diferente, já que o senso moral está envolvido, que contradiz dogmas ortodoxos, destruindo a identidade cristã da Grécia", acredita Roman Lukin, especialista russo em política e professor do Instituto da Europa.
O clero ortodoxo já fez sua "démarche política marcante" ao soar os sinos por todo o país como forma de protesto e por vários dias. Além disso, acrescenta Lukin, na Grécia há movimentos sociais ortodoxos que "desempenham um papel determinante na vida política e social na defesa pelas tradições conservadoras".
Enfim, a maioria ortodoxa envia a Bruxelas e Berlim um sinal claro: caso a União Europeia bata na face direita dos ortodoxos, o outro lado não será oferecido. Ao invés de submissão, há muitas chances de a Igreja não se calar.