Em fevereiro, a Sputnik já publicou uma retrospectiva do "primeiro ato" da revolução e agora propõe analisar as causas e desenvolvimento do "segundo ato" vitorioso.
Uma acalmia frágil
Na sequência de manifestações populares e militares de fevereiro, foi proclamado todo um leque de liberdades e direitos, sendo este às vezes chamado de um dos maiores projetos democráticos da época. Ademais, foi prometido que acabariam por serem resolvidas, finalmente, as questões-chave para as diferentes camadas da sociedade — desde a saída da Primeira Guerra Mundial até à reforma das terras.
Para isso se formou um formato curioso de governança — isto é, o Soviete de Petrogrado (então nome de São Petersburgo), como órgão do povo, e o Governo Provisório, que representava, por sua vez, as forças da burguesia. Tal forma de administração foi definida como "dualidade de poderes" e logo se provou ser uma espécie de bomba-relógio que, em alguma medida, possibilitou a futura implantação do regime comunista no país.
Primeiro, a própria base de apoio de ambos os órgãos era totalmente diferente. O Governo Provisório foi, desde o início, entendido pelas camadas mais baixas da sociedade — operários e trabalhadores rurais — como uma manifestação de "ditadura da burguesia", sendo que elas davam preferência aos sovietes.
Contudo, o Governo Provisório bem poderia ter se assegurado deste apoio caso conseguisse cumprir todas as suas obrigações assumidas no início do mandato. Mas não o fez. O órgão, encabeçado pelo socialista revolucionário Aleksandr Kerensky, não conseguiu nem acabar com a guerra, nem distribuir as terras aos trabalhadores rurais, nem melhorar as condições para os operários, em grande parte devido a um monte de discordâncias políticas e ideológicas existentes entre diferentes grupos dentro do governo.
'Todo o poder aos sovietes!'
Dada a anarquia instalada (os trabalhadores rurais, por exemplo, já começaram a dividir as terras entre si sem qualquer controle por parte do Estado), a tensão crescente na sociedade e a popularidade cada vez menor do governo, os bolcheviques, na época, conseguiram "cavalgar" a onda revolucionária.
Vale ressaltar que se trata da fração do Partido Operário Socialdemocrata Russo que se separou da força política maior em março de 1917, sendo que as outras frações, na sequência, condenaram a ação dos bolcheviques e a avaliaram como uma "conspiração militar".
Já em meados de outubro de 1917, o Comitê Central bolchevique decide iniciar os preparativos para uma ação armada e logo reconhece o Soviete do Petrogrado como a única fonte legítima de poder. Segundo os historiadores, o Governo Provisório, por seu turno, estava a par destes planos, porém, pelo visto, não conseguiu preparar uma resposta adequada na época devido à sua fraqueza.
Já na noite para 25 de outubro (7 de novembro atual devido a mudança do calendário), as forças apoiantes da revolução tomaram todas as posições estratégicas na cidade de São Petersburgo, "berço" de rebeliões populares russas, entre elas — gares, pontes, usinas elétricas e telégrafos. E tudo isso — sem derramamento de sangue e com o objetivo definido de acabar com a dualidade de poder de uma vez por todas.
Já na manhã de 25 de outubro, o único local estratégico não controlado pelos sovietes era o Palácio de Inverno, onde, por sua vez, estava reunido o Governo Provisório.
Passaram apenas algumas horas, e o governo de Kerensky caiu, sendo que este, por sua vez, tinha deixado a cidade nestes dias turbulentos.
Em apenas dois dias, São Petersburgo passou para as mãos dos bolcheviques e assim permaneceu por ainda mais de 70 anos.
Herança revolucionária
Ao chegarem ao poder, os bolcheviques não demoraram com suas diretrizes e reformas. Já em algumas horas após a tomada do Palácio do Inverno, se formou um novo governo, denominado como Soviete do Comissariado do Povo (Sovnarkom no acrônimo russo). Entre os ministros recém-nomeados estava o Comissário do Povo para as Relações Exteriores, Leon Trotsky, e o titular da pasta para os Assuntos das Nacionalidades, Josef Stalin, futuro sucessor do líder revolucionário Lenin.
Ademais, já em 26 de outubro (8 de novembro atual), o novo governo emitiu os dois documentos tão almejados — os chamados Decreto sobre a Paz e o Decreto sobre a Terra. O primeiro, respectivamente, tratava da necessidade imediata de sair da guerra que se arrastava, enquanto o segundo proclamava o início da grande redistribuição das terras no país.
Alguns dias depois, os bolcheviques introduzem mais uma reforma importantíssima — as 8 horas de trabalho para todos os operários. Em outras palavras, os sovietes conseguiram, de modo rápido e resoluto, realizar todas as transformações que a sociedade tinha exigido ao antigo governo fracassado.
Entretanto, nem tudo estava tão desanuviado. Se em São Petersburgo, cidade-coração de revoltas populares russas, o novo poder se consolidou de modo consideravelmente fácil e com perdas mínimas, outras partes da Rússia não estavam tão inclinadas a aceitar o novo regime. Ademais, as reformas promovidas pelos bolcheviques foram conduzidas a ritmos abruptos e muitas vezes com grandes sacrifícios, sendo um exemplo as duríssimas condições de paz com a Alemanha estabelecidas no Tratado de Brest em 3 de março de 1918.
Até hoje, os acontecimentos de outubro de 1917 provocam opiniões muito polarizadas na sociedade. Para uns, eles representaram uma catástrofe de escala nacional que provocou um terrível conflito interno e implantou uma duradoura ditadura comunista no país.
Já para outros, a Revolução de Outubro acabou por ser o evento mais progressista na história da humanidade, na qual se satisfizeram todas as aspirações populares e foi proclamada a igualdade social absoluta.