Esta 8ª Cúpula das Américas, que decorrerá a partir de amanhã (13) na cidade peruana de Lima, será a primeira marcada pela ausência do líder venezuelano e, o que é ainda mais importante, do norte-americano.
De um quintal para outro?
Em sua essência, a Cúpula das Américas foi criada como uma plataforma no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), a mais velha estrutura de integração no continente com influência predominante dos EUA.
A crise desta estrutura, de fato, começou a ser observada já no início do corrente século, com o aparecimento de inúmeros grupos regionais, porém, esta é a primeira vez que o próprio Washington demonstra abertamente que os assuntos latino-americanos deixaram de ser sua prioridade.
Embora muitos considerem a participação das cúpulas internacionais como um gesto meramente simbólico e que na realidade nada muda, isto não é totalmente correto.
Apesar do mundo estar se digitalizando a ritmos enormes, o planeta da política e diplomacia continua vivendo de acordo com suas próprias regras, e tais casos como o envio de uma delegação de nível inferior a um evento internacional já se entende como a manifestação de alguma coisa.
Opiniões divididas
Já entre os países da América do Sul houve tanto quem se tenha entusiasmado com a notícia, como quem tenha ficado indignado ou mesmo zangado. No entanto, quem se destacou de modo mais expressivo das "fileiras" foi o líder venezuelano, Nicolás Maduro, que qualificou a participação da Cúpula das Américas como uma "perda de tempo", preferindo comemorar a "derrota do golpe de Estado fascista" de 2002 contra o então presidente Hugo Chávez.
Para as autoridades venezuelanas, que continuam sendo representantes da esquerda latino-americana, hoje em dia cada vez mais escassa, a recusa de Trump foi uma manifestação de desprezo. Os movimentos do mesmo tipo em vários outros países, como o Partido Comunista do Peru, por exemplo, também se entusiasmaram com a notícia, dizendo que "a América Latina não gosta de você [Donald Trump] e você faz bem em não ir ao Peru, pois nós não queremos te ver".
Mas, se afastando um pouco dos lemas populistas e ideologias, se deve entender que para a maioria dos Estados da região a gradual saída estadunidense deste "quintal" é uma perda significativa, pelo menos do lado econômico. Tais cúpulas proporcionam sempre algumas oportunidades inéditas para a discussão de futuros laços e acordos, que hoje em dia são essenciais para vários Estados latino-americanos devido a sua situação econômica precária.
Aparentemente, se trata da China, que tem aumentado extremamente seu peso na região através de um enorme fluxo de investimentos nas produções locais. A notícia boa para o continente é que, ao contrário da Casa Branca, Pequim tem pouca inclinação para se meter na política interna dos seus parceiros, estando mais interessado no poderio econômico.
Vale ressaltar, na verdade, que por parte da administração de Trump, por mais importante que seja para ela o problema sírio, este foi um erro estratégico bem sério, pois recentemente o próprio país tem se envolvido na chamada guerra comercial com a China. Em meio a esta confrontação tarifária, abandonar suas posições em outras regiões, tanto mais assim tão próximas, pode ser bastante perigoso, advertem muitos cientistas políticos.
Integração fracassada?
Resumindo todos os fatores mencionados acima, se pode dizer que o projeto pan-americano, promovido por Washington ao longo de muitas décadas, parece estar em crise. A mesma coisa, contudo, pode ser dita sobre os numerosos agrupamentos regionais que, na maioria das vezes, foram criados por mera necessidade de dar uma resposta à influência norte-americana.
Entre tais blocos se pode mencionar a UNASUR, a ALBA e a CELAC, além de outros ideologicamente mais neutrais. Todas estas organizações surgiram, predominantemente, no início do século XXI, com a ascensão da esquerda na América Latina, e serviram mais como uma plataforma de manifestação política que como um mecanismo viável de cooperação econômica.
Hoje em dia, quase todos estes agrupamentos, por serem tão dispersos, de fato não funcionam, o que, por sua vez, se deve a vários fatores. Um deles é a mudança de governo em muitos países, ou seja, a chamada "virada à direita", que está muito menos disposta a declarar a fraternidade latino-americana como sua prioridade e costuma se basear em princípios de pragmatismo e individualismo.
Entretanto, caso a Casa Branca realmente deixe de priorizar sua influência política na América Latina (o que ainda parece uma hipótese pouco provável), esta seria uma boa oportunidade para os governos que por muito tempo se esforçaram pela independência e união dentro do continente — somando isso tudo ao investimento chinês cada vez maior — terem uma chance de crescer.