A principal reforma do governo Temer a ser implementada até o momento entrou em vigor no dia 11 de novembro de 2017 com diversos pontos sem definição.
Entre esses, os mais discutidos foram os que tratavam da possibilidade do trabalho em tempo parcial, criação e regulamentação de trabalho à distância, fracionamento de férias, limitação dos danos extrapatrimoniais, trabalho de gestantes e lactantes em ambiente insalubre, contratação de autônomos, novas regras de arbitragem, trabalho intermitente, criação e rompimento de contratos de trabalho por acordo mútuo, além de outras alterações referentes às relações trabalhistas.
Em troca, os senadores aprovaram o texto sem modificações. Se isso não tivesse acontecido, a proposta retornaria à Câmara para nova apreciação e atrasaria a entrada em vigor da nova lei. Ou mesmo derrotaria a iniciativa do governo.
Mais de cinco meses se passaram, porém, e a MP não foi votada, perdendo sua validade na segunda-feira 23.
A MP mudava 17 artigos dessa nova legislação e ainda não está claro por quanto tempo o texto original vai valer, já que o governo estuda a alteração por decreto de alguns pontos da reforma original e a questão está em trâmite na Casa Civil.
Insegurança jurídica
A promessa do governo Temer era de que a mudança da CLT, que foi vendida sob a bandeira de “modernização”, traria maior segurança jurídica na relação capital e trabalho. No fim das contas, no entanto, acabou trazendo insegurança, pois não foi discutida com as centrais sindicais, nem com as organizações que representam os trabalhadores, disse Isaac do Carmo, consultor jurídico e ex-presidente do Sindicato de Metalúrgicos de Taubaté, em conversa com Sputnik Brasil.
A nova lei também não foi discutida com aqueles que fiscalizam o cumprimento das normas trabalhistas: o Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho.
Parte da magistratura considera partes da lei como inconstitucional. E os juízes possuem a prerrogativa de avaliar os casos individualmente, de modo que o que prevalece é a constituição do país, acima de qualquer lei, explicou Issac do Carmo.
"O empresariado começa a ter receio de que na prática os trabalhadores ou mesmo os sindicatos, na Justiça do Trabalho, consigam derrubar essas mudanças que ocorreram após a nova CLT", alertou o interlocutor da Sputnik Brasil.
Mesmo os aliados naturais da nova CLT demonstram preocupação com a queda da MP 808. A Fecomércio de Minas Gerais, principal entidade sindical patronal dos setores de comércio e serviços do estado, manifestou receio. A assessora jurídica da Presidência da Fecomércio MG, Tacianny Mayara Silva Machado, avaliou que a não aprovação da medida provisória prolonga a insegurança jurídica na aplicação da reforma, sobretudo na contratação de trabalhadores intermitentes.
"A medida visava preencher algumas lacunas do texto original, aliadas ao não posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) em relação às revisões de súmulas e orientações jurisprudenciais", ressalta.
Mas o que de fato mudou com a queda da MP?
Autônomos: Segundo a MP, um trabalhador autônomo não poderia ser contratado com exclusividade. Agora não há mais impedimento.
Dano moral: Sem a MP, a base de cálculo se baseia apenas na remuneração do trabalhador, e não no teto do INSS, que é de R$ 5.645.
Gorjetas: A MP definia que a gorjeta é do trabalhador. Agora passará a ser dividida conforme acordo ou convenção coletiva.
Gestantes e lactantes: Sem a MP, caíram as restrições para trabalho de mulheres em gestação ou lactação em locais insalubres.
Multa: A cobrança de multa de 50% do valor da remuneração a ser paga pelo trabalhador em caso de descumprimento do contrato intermitente volta a valer.
Trabalho intermitente: Não é mais necessário respeitar o prazo de 18 meses de intervalo para o empregador recontratar como intermitente um trabalhador que antes atuava sob um contrato de tempo indeterminado.
Turnos 12x36: Jornadas de 12 horas de serviço por 36 horas de descanso passam a valer por acordo individual. A MP exigia acordo coletivo para esse tipo de negociação.
Ações Diretas de Inconstitucionalidade
De uma forma ou de outra, parece que com a queda da MP 808 também cai a ficha de que a Reforma Trabalhista já aconteceu. Aqueles que sempre defenderam a "modernização" estão comemorando com cautela. E os críticos entendem que as formas de resistência precisam mudar. Os sindicatos agora travam combate no STF e buscam explorar as brechas da nova lei, que são abundantes. A lei foi feita às pressas.
"Várias centrais sindicais entraram com ações diretas de inconstitucionalidade no STF. Que devem ser julgadas e analisadas nos próximos meses. Uma outra frente importante é o movimento sindical se organizar, e através de suas negociações coletivas colocar impedimento às posições da nova CLT nos novos acordos", explica o ex-presidente dos Metalúrgicos de Taubaté.
Ou seja, sindicatos de maior poder de articulação trabalham para valorizar os acordos coletivos. Já que na nova legislação o acordado prevalece sobre o legislado, essa será uma nova tática para tentar garantir direitos.
Por outro lado, o sindicalista reconhece que os tempos não são bons. Ele lembrou que, segundo divulgado pela imprensa, cerca de 15 mil postos de trabalho foram extintos no mês passado em rescisão consensual de contrato. Nessa modalidade, o empregado perde o direito ao seguro desemprego, deixa de resgatar o fundo de garantia de forma integral, e a multa do empregador também é reduzida. Segundo ele, a imprensa vende a mudança como algo bom, mas o processo precariza a relação de trabalho e inclusive aprofunda a crise econômica, pois menos recursos circulam na sociedade.
Um outro problema, segundo ele, seria o grande número de sindicatos. Alguns deles não representam os trabalhadores, mas podem, segundo a nova lei, fechar acordos coletivos de modo a precarizar mais ainda a situação do trabalhador.
Segundo Isaac do Carmo, o país está entrando na era de uma CLT patronal.
"Foi uma reforma construída com olhar e as mãos dos grandes empresários do poder econômico no Brasil. Porque ela na prática e efetivamente diminui o poder de negociação dos sindicatos, diminui o poder de organização dos sindicatos, e diminui o direito dos trabalhadores de buscar o judiciário para pleitear os direitos trabalhistas, que é no Brasil uma regra frequente na relação entre o capital e o trabalho".
Ao vencedor, as batatas
Apesar de uma certa indefinição jurídica, a Reforma Trabalhista é a única grande conquista do atual governo. Uma das poucas pautas propostas pelo Planalto e que uniu as forças em sua base.
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), por exemplo, que foi um dos principais atores políticos na viabilização do governo Temer, desde as passeatas pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff, se mostrou satisfeita com a queda da MP 808.
Segundo a diretora executiva jurídica da Fiesp, Luciana Nunes Freire, a organização considera a mudança bem-vinda. Do seu ponto de vista, a insegurança jurídica era provocada pela própria MP, e não pela Reforma Trabalhista.
"A Fiesp sempre defendeu uma modernização da legislação trabalhista. Embora ela tinha sido modificada pontualmente nos últimos anos…é uma CLT de mais de 70 anos, de uma época getulista", explicou Luciana.
"Hoje temos um mercado de trabalho que merecia uma modernização. Temos home office, trabalho à distância, trabalho flexível, temos jovens entrando no mercado que precisam trabalhar meio período para estudar, o trabalho intermitente, e novos tipos de trabalho que vieram com tecnologia e que estavam fora da CLT. No nosso entendimento a indústria 4.0 necessita de uma legislação mais moderna".
"Em nossa opinião a caducidade da MP foi positiva, pois esta [MP] causava insegurança jurídica. A MP trouxe discussões que foram reiteradamente discutidas na Câmara e no Senado nas votações relativas à modernização da Lei Trabalhista", afirmou ela em conversa com a Sputnik Brasil.
"O que afeta o comércio de forma mais direta é o trabalho intermitente, que a reforma trouxe para o nosso mercado, e que é excelente, pois vários países avançados já trabalham com [regime] intermitente. Mas esse trabalho, por ser novo, embora agora permitido, talvez precise ainda de alguma regulamentação, que poderia ser feita por Decreto de natureza jurídica de regulamentar, e não de inovar a lei, nem de criar direitos ou obrigações".
Para Fiesp, agora passou a valer a legislação "legitimamente aprovada no Congresso".
"Mais lei para regular o mercado só dificulta a vida do brasileiro. A gente precisa deixar o mercado tocar com a lei posta. E não com lei em cima de lei, medida provisória, ou projeto de lei de urgência. Isso só atrasa a implementação do que foi legitimamente votado em julho do ano passado", afirmou.
Futuro incerto
De todo modo, o destino da nova CLT ainda não está certo. No dia 3 de maio, o STF começa a julgar uma ação que pode ter impactos diretos sobre a mudança nas leis do trabalho. De iniciativa da Procuradoria-Geral da República (PGR), a ação pede a suspensão dos artigos da nova legislação que restringem o acesso dos trabalhadores à Justiça.
Já o Tribunal Superior do Trabalho (TST) ainda decidirá, entre o fim de maio e início de junho, se a nova legislação se aplica aos contratos e processos anteriores a 11 de novembro de 2017, quando as mudanças na CLT entraram em vigor.