Tendo em consideração que as exportações agropecuárias brasileiras para a Rússia no último ano foram de 2,1 bilhões de dólares e que o respectivo setor de fato responde por mais de 90% do comércio bilateral, seria justo afirmar que a importância da área é enorme, e muitas mudanças e novidades ainda estão por vir, nos assegura o diplomata brasileiro.
E o que mais?
"Vamos falar de agronegócio, porque a gente não fala somente de agricultura e agropecuária, a gente fala de tudo: serviços, insumos, rações. Existe uma série de produtos que podem ser transacionados entre o Brasil e a Rússia. Da Rússia para o Brasil, eu vejo grande possibilidade de aumentar muito o comércio de pescado" — foi assim que o adido brasileiro começou sua reflexão, relembrando a recente reunião bilateral dos órgãos russo-brasileiros que decorreu na Bélgica em 24 de abril.
Nesse encontro, além da questão do levantamento da suspensão temporária das exportações de carne brasileiras, foram debatidos temas recém-integrados na agenda que podem logo mudar o jogo no relacionamento comercial entre as duas nações.
"Hoje a Rússia já tem 13 estabelecimentos e barcos pesqueiros que podem exportar pescado para o Brasil [a respectiva lista está em disposição da Sputnik Brasil]. Eu acho que o pescado é um produto muito interessante, eu diria de volume, porque o Brasil é um grande importador de pescado. Então, acho que a Rússia pode vir a ser um grande fornecedor [nesse campo]", assegurou o representante da embaixada, dizendo que de fato foram mais de 100 as entidades que demonstraram disponibilidade para também serem habilitadas a referentes atividades.
Isso sem mencionar ainda a questão do trigo, que há pouco reentrou no palco. Com a recente abertura do mercado brasileiro, as esperanças da cooperação são enormes, pois estamos falando do país maior produtor de trigo, a Rússia.
"Insumos agrícolas também é produto que o Brasil importa bastante, sobretudo aqueles à base de potássio e eletrogêneo, e a Rússia é um grande produtor desses insumos", prosseguiu o diplomata.
Para ampliar ainda a lista de possíveis emparceiramentos, enumerou inclusive os produtos lácteos, bem como os produtos da gelatina e ovo em pó que são também produtos hoje em dia negociados para a importação. Para mais, existe a matéria-prima para produção de ração para animais de estimação, como gatos e cães, que do mesmo modo pode se alistar na pauta comercial das duas nações.
"Tem muitos produtos, acho que a gente não deve e não pode ficar tão somente nessa questão de carne, trigo, pescado", expressou o diplomata, mencionando também a questão de intercâmbio técnico-científico e investimento na área de infraestrutura.
"Por exemplo, nós temos terminais para recebimento de fertilizantes que pode baratear [o produto], por exemplo, chegando pela Calha Norte do país. A Calha Norte entra lá no oceano Atlântico, na foz do Amazonas, e por ali você pode chegar por água até o estado do Mato Grosso, que hoje é um fortíssimo produtor nacional. Existem terminais lá, e também existem projetos de andamento de terminais para receber supostamente esses produtos de matéria-prima, ou, digamos, fertilizantes para agricultura, que são de mútuo interesse entre os russos e brasileiros", propôs o senhor Coutinho.
Ao falar da cooperação entre a Rússia e o Brasil, é vital ter em consideração o estreitamento no âmbito dos BRICS, que auxilia bastante, pois "qualquer cooperação tem que ser provocada", realça o adido.
Em relação a isso, frisa o nosso interlocutor, é indispensável a presença de um sistema sólido e confiável baseado em confiança mútua, pois em países com mercado livre como o brasileiro e russo são, o governo apenas estabelece as regras, logo saindo do palco para conceder o lugar ao setor privado.
"O governo é nada mais que regulador, no sentido de regulamentar, ele estabelece as diretrizes. Mas quem opera são privados. E nenhum governo tem capilaridade para ter as rédeas do que pensa produtor A, ou produtor Z", explicou o enviado brasileiro.
Deste modo, no caso específico Brasil-Rússia, se busca "uma confiabilidade de ambas as partes", ou seja, cada um dos países precisa e tem que acreditar naqueles órgãos que são responsáveis por implementação de acordos.
Por mais estranho que pareça, nesta relação vem à cabeça um paralelo de um mundo completamente alheio — o esporte, nomeadamente o caso do escândalo de doping na Rússia. Esse, em sua essência, foi uma das ocasiões na qual vários "rebeldes" do sistema acabaram por trapacear o complexo todo, provocando desconfiança.
Desafios a serem eliminados
Ao fazer uma análise em termos largos, para hoje em dia se podem identificar dois grandes desafios estruturais no comércio agropecuário bilateral entre os dois países. O primeiro deles é um grande superávit do lado brasileiro.
"O mercado russo tem uma importância vital para o negócio nosso. Em contrapartida, a importação brasileira de produtos agrícolas russos é muito pequena. É exatamente isso que a gente tem que mudar. Nós temos que ver isso como um desafio, levando em consideração que a mão tem que ser dupla", argumentou o senhor Coutinho.
O segundo "challenge" sério seria, de fato, relacionado com o principal tema da nossa conversa, isto é, a intensificação das trocas comerciais. A questão é que essas vêm diminuindo nos últimos anos.
"Vale a pena ressaltar que, se pegar os índices dos últimos quatro anos, baixou bastante a exportação do Brasil para cá. Em 2012, ela estava na faixa de 3 bilhões de dólares, e agora está pouco acima de 2, está chegando a 2,1 bilhões. Esse é o quadro atual. […] Está baixando. Eu imagino que esta diminuição do volume exportado de lá para cá deve estar acontecendo por razão da busca da Rússia pela autossuficiência. Talvez seja por isso", sugeriu o adido.
Claro que há outros parceiros com quem a Rússia se vincula e estão mais perto que o Brasil, como a China, Marrocos ou Turquia. Contudo, o adido demonstrou uma atitude positiva para com esse ensejo.
"Eu acho que o Brasil tem chance muito grande de brigar por essa fatia de mercado", concluiu.