Os primeiros relatos sobre o desastre, ocorrido no último dia 1, se dedicaram a acusar o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) de estar por trás da ocupação do prédio atingido por esse triste evento, equívoco que foi rapidamente corrigido pelos membros do grupo, liderado pelo pré-candidato à presidência pelo PSOL, Guilherme Boulos.
Ao contrário do que tem sido divulgado por parte da imprensa, a ocupação no edifício que desabou esta madrugada não era organizada pelo MTST, mas pelo movimento MLSM. Independente disso, reafirmamos nossa solidariedade às famílias atingidas e cobramos alternativa aos desabrigados.
— Guilherme Boulos (@GuilhermeBoulos) 1 de maio de 2018
De acordo com informações divulgadas pela mídia, o imóvel em questão, que pertencia à União mas estava, desde 2017, sob responsabilidade da Prefeitura de São Paulo, passou a ser ocupado irregularmente desde que a Polícia Federal abandonou o endereço, em 2003, ano em que a sede da PF foi transferida para outro local. Em posse do governo federal desde 2002, o edifício, depois de anos sem função, chegou a ser colocado à venda em 2015, mas a transação nunca foi concretizada. Dois anos depois, a Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo (SPU-SP) passou a guarda provisória do prédio para a Prefeitura de São Paulo, que ficou responsável por sua administração a partir daquela data, quando o local já era ocupado por centenas de pessoas sem outra opção de abrigo.
Em resposta a indagações feitas pela Sputnik Brasil, a Secretaria de Habitação de São Paulo disse que, para levar a cabo as demandas da administração municipal, iniciou negociações com os ocupantes do imóvel, oferecendo um aluguel social para que eles abandonassem o local. Mas, como a tutela legal sobre o imóvel continuava sendo da União, cabia a esta pedir a reintegração de posse.
"A administração municipal esclarece que, mesmo com a guarda provisória, a tutela legal sobre o imóvel continuava sendo da União, a quem cabia pedir a reintegração de posse. Esta não foi solicitada porque as negociações estavam em andamento", explicou.
Também em declarações à Sputnik, a Secretaria do Patrimônio da União, ligada ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, disse que sempre buscou uma destinação adequada para o edifício Wilton Paes de Almeida. Mas, quando da transferência da guarda provisória do prédio para a Prefeitura de São Paulo, esta passou a ficar responsável "pelo uso e conservação do imóvel, inclusive preservando-o de invasões e depredações".
A ocupação no Wilton Paes de Almeida foi organizada, durante anos, pelo Movimento de Luta Social por Moradia, grupo de liderança difusa e pouco conhecido do grande público. Embora sem ligações aparentes com outros movimentos de maior destaque no cenário nacional, o MLSM recebeu pronto apoio de outros defensores da luta por moradia, mesmo sob acusações de cobrar aluguéis dos ocupantes do prédio destruído, prática que levou Guilherme Boulos a sugerir que o grupo poderia ser oportunista.
Toda solidariedade ao Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM) e às famílias frente à tragédia do prédio do Largo do Paissandú, em São Paulo. Compartilho o importante recado do companheiro @guilhermeboulos! pic.twitter.com/XTY1Pl0EKp
— Marcelo Freixo (@MarceloFreixo) 1 de maio de 2018
Afinal, a culpa é de quem?
As causas do incêndio que levaram ao desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida e as devidas responsabilidades de cada parte envolvida ainda estão sendo investigadas pela polícia. Mas, de acordo com parte dos representantes de movimentos sociais, não há dúvidas de que há uma tentativa de utilizar a tragédia para criminalizar a luta por moradia digna no país.
"São 6,35 milhões de famílias sem casa, de acordo com o IBGE. Na ausência de uma política pública, muitos não têm outra alternativa a não ser ocupar imóveis abandonados. Era o caso das 146 famílias que moravam no edifício Wilton Paes de Almeida. Bastaram poucas horas depois do ocorrido para que alguns — na imprensa e nas redes sociais —, levianamente, apontassem os próprios moradores sem-teto como responsáveis pela tragédia. É uma inversão cínica, que pretende culpar as vítimas", reclamou o MTST.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Fabiana Batista, coordenadora do movimento no Rio de Janeiro, afirmou que "o objetivo daqueles que não entendem ou não aceitam a luta por moradia é sempre criminalizar, infelizmente". Para ela, "utilizar um desastre desse para dizer que quem ocupava era o culpado é ignorar a falta de politicas públicas para habitação no Brasil". Para ela, o discurso sobre culpabilização deve ser outro.
"Ocupamos porque não temos politicas públicas habitacionais que acolham as pessoas que não têm moradia digna para morar. A culpa do incidente do Paissandú não é de quem ocupa, é do poder publico, que não busca regulamentar, reformar, disponibilizar moradia pra quem precisa", disse Fabiana.
Em nota fornecida à Sputnik pelo advogado André de Paula, da Frente Internacionalista dos Sem-Teto (FIST), núcleos especializados com atuação no direito à moradia de diversas defensorias públicas também se manifestaram sobre o ocorrido, destacando as ocupações como reflexo da desigualdade, da falência das políticas habitacionais e da não implementação dos instrumentos de indução da função social da propriedade.
A Prefeitura de São Paulo estima em cerca de 70 o número de prédios, principalmente particulares, ocupados na região central da cidade, com aproximadamente 4 mil famílias. De acordo com a Secretaria Municipal de Habitação, no dia 10 de março, 171 famílias, com 455 pessoas, foram cadastradas como ocupantes do prédio Wilton Paes de Almeida, com o objetivo de "identificar a quantidade de famílias, o grau de vulnerabilidade social e a necessidade de encaminhamento e atendimento das famílias".
"A Secretaria de Habitação realizou seis reuniões com as lideranças da ocupação, entre fevereiro e abril, para esclarecer a necessidade de desocupação do prédio, por conta do risco apresentado pelo imóvel, que não era adequado para a moradia."
Ainda segundo a secretaria, em 2017, foi criado um Núcleo de Mediação de Conflitos que monitora 206 ocupações em toda a cidade de São Paulo, com cerca de 46 mil famílias. Desse total, 25% da atuação do grupo ocorre em ocupações na região central, com 3.500 famílias.
"Para essas ocupações, o grupo atua no sentido de buscar uma solução conciliada com a desocupação voluntária e sem confronto", afirmou a secretaria à Sputnik.
Já a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), também responsável pelo edifício destruído, disse em nota enviada à Sputnik Brasil que "também atua no que diz respeito a destinar imóveis para habitação de interesse social. Contudo, estas destinações não se aplicam aos imóveis de uso especial, que são justamente os prédios ocupados por órgãos públicos, com aproveitamento para atividades administrativas ou de atendimento ao público".