Marta e Formiga podem ficar tranquilas, bem como todos os amantes do futebol feminino brasileiro. Nesse dia histórico, as meninas da favela da Penha voltaram a ganhar o principal troféu da Street Child World Cup 2018, uma versão "amadora" da Copa real.
"A gente veio pra ganhar. E conseguimos alcançar nosso objetivo", desabafa a jogadora Laryssa em meio às celebrações e pedidos incessantes de fotos.
Contudo, mesmo sendo favoritas desde o primeiro dia de torneio, as brasileiras tiveram que ter muita garra para acabar no pódio no final. Muitas das suas adversárias eram mais velhas, outras mais fortes, talvez até mais ágeis. Um dos rivais era o time da Tanzânia, que acabou por ficar com prata após uma partida acirrada que acabou em 1 a 0 com um único gol brasileiro, marcado pela maravilhosa armadora e capitã da equipe, Taisa.
"Foi Tanzânia [na final] e Filipinas [na semi], as mais difíceis. Foi um a zero, marcamos o gol no último minuto. Caraca… Foi muito difícil. Porque nos primeiros jogos a gente marcou de goleada, foi de 8, de 4, e agora… É diferente a habilidade delas", conta Rafaela, outra jogadora do time canarinho que sonha em ser zagueira profissional.
Adam Reid, presidente da associação regional da Street Child United no Rio, também compartilha a sensação das meninas e sublinha que o jogo final foi um confronto pouco "confortável" para a equipe, porém, um que elas ganharam com muita raça.
"Em ambos os jogos [com Tanzânia e Filipinas] estavam bem tensas, bem nervosas. E quando isso acontece, elas não jogam na mesma, elas tentam fazer gol logo e encontrar Taisa para marcar, tentam deixar a bola fora da sua área. Mas isso acontece no futebol, não é uma coisa incomum", diz Adam, natural da Escócia, que vive no Brasil desde os anos 1980.
Em meio à torcida da comitiva brasileira, todo mundo foi contaminado por aquela vibração especial que provavelmente somente o país verde e amarelo tem. E a torcida era numerosa — desde a Bielorússia até a Inglaterra, com gritos, choros de vitória e abraços apertados das amizades internacionais recém-criadas.
Evidentemente, segurar a taça de campeão é o principal sonho de qualquer atleta. Mas imagine a felicidade de quem convive com tiroteios e violência; de crianças que já duvidaram do futuro, mas têm um grande dom — em forma de futebol.
A gratidão ao esporte, que já parece certa forma de religião, se entende em cada palavra das garotas. Para elas, o futebol é tudo — aquilo que as ajuda esquecer de problemas em casa e da comunidade carente em que vivem, o que lhes permitiu viajar através dos oceanos e ganhar dezenas de amigos por todo o mundo, o que lhes pode garantir um grande futuro.
"É sonho de todas. Queremos ser jogadoras profissionais e poder jogar na Seleção Brasileira", fala Laryssa com ar de esperança.
E essas oportunidades inéditas já surgiram, revela à Sputnik Brasil Adam enquanto as meninas não param de tirar selfies com todos no campo repleto de confete e bandeiras de todas as cores.
"Estamos tentando ajudá-las. Estávamos inclusive falando com o técnico estadunidense, do time dos EUA, ele ficou muito impressionado com os primeiros jogos das meninas. E aí nos perguntou se elas alguma vez pensaram em ir para os EUA para fazer intercâmbio. Há também outras oportunidades. O técnico norte-americano acredita que nossas garotas teriam sucesso lá também".
Ao falarmos com o coordenador do projeto, discutimos também o fenômeno do Brasil ter a maioria dos grandes craques vindos de regiões vulneráveis ou de famílias com renda baixa. Isso torna o futebol uma ferramenta até social — de inclusão e ascensão — por ele deixar a criançada longe das atividades criminosas e lhes apresentar uma chance de montar um plano de carreira dos sonhos.
"O poder do futebol é grandíssimo", resume.
Uma das tais estrelas que saiu das camadas mais carentes da sociedade brasileira, acabando por jogar nos mais prestigiados clubes do mundo e ganhando melhores troféus já dentro da Seleção Nacional é Gilberto Silva. Hoje, ele não só compareceu no evento em um dos maiores estádios de Moscou, mas também passou várias horas respondendo às perguntas de equipes mirins, posando para selfies e, claro, assistindo à partida vitoriosa das meninas cariocas.
"Eu nunca escolhi o futebol. Foi o futebol que me escolheu. Esse é o sentido. Você tem que confiar e trabalhar muito para alcançar as coisas na profissão por qual almeja. E eu, sim, me apaixonei pelo futebol desde garoto", confessa o volante conhecido como Muralha Invisível ao se comunicar com a molecada de todos os cantos do globo.
Agora, para as meninas da Penha chega a hora merecida de festejar. Elas ainda têm vários dias em Moscou para desfrutar de passeios pela linda capital e, embora confessem em não gostar muito da "comida estranha" sem o feijão e arroz prediletos, estão ansiosas para descobrir mais sobre um país tão distante como a Rússia.
A Sputnik Brasil aproveita mais uma oportunidade para parabenizar a sublime equipe das meninas brasileiras com esta linda vitória e agradece a empresa russa Megafon, o Ministério de Esporte da Rússia e a organização não governamental Street Child United, entre outros, por ter organizado esse evento ímpar.