As cinco horas de negociações na primeira reunião cara a cara entre um presidente norte-americano e um líder norte-coreano deixaram um monte de fotografias históricas e receberam aplausos de todo o planeta.
No entanto, a situação não está assim tão clara, pois, se analisarmos o documento firmado, surgem dúvidas sobre o quão eficazes serão os acordos e como vai ser conseguida a desejada desnuclearização.
"Kim ganhou" ao obter um estatuto formal e evitar a invasão
À primeira vista, o compromisso de garantir a desnuclearização completa da península coreana é uma vitória de Donald Trump.
No documento também não existe um roteiro do processo, algo que foi estabelecido nos acordos de 1994 entre os EUA e a Coreia do Norte.
"Por que Trump admitiu uma formulação assim [tão vaga]? Porque não tinha outra opção. O presidente dos EUA acabou em um beco sem saída devido a sua anterior retórica", explica o autor.
Para Mirzoyan, as afirmações belicistas de Trump deixavam apenas duas variantes para ele: ou participar da cúpula, quaisquer que fossem os resultados, ou estragar a reunião, acusar Pyongyang de ser incapaz de dialogar e escolher uma solução alternativa, talvez com o uso de força.
A Casa Branca fez os possíveis por frustrar a cúpula em Singapura, acredita o analista, mas, apesar de ter sido quase cancelado, o encontro acabou por se realizar e a única coisa que Trump podia fazer era participar da reunião, tirar desta pelo menos algum resultado construtivo para "o apresentar como um objetivo seu alcançado".
"Não foi a foto com Trump que deu a Kim estatuto e prestígio, mas o fato de Trump, ao se ter encontrado com Kim, o ter reconhecido como um parceiro de negociações e membro do mundo civilizado", ressalta Mirzayan.
O próprio documento, mesmo que pareça vago, de qualquer modo muda o rumo da situação a favor da via diplomática e não militar, o que já é uma grande vitória, celebrada não apenas em Pyongyang mas também em Seul.
"A possibilidade de Kim perder a partida com os EUA (o que implicaria o colapso do regime), ou seja, uma possível guerra, diminuiu drasticamente. E agora Kim […] tem todo o tempo a seu dispor para melhorar as relações com a Coreia do Sul", concluiu Mirzayan.
"Todos perderam" porque não há garantias de desnuclearização
Para ele, o desarmamento nuclear para a Coreia do Norte é algo "absolutamente irrealista e politicamente impossível", "um suicídio em massa de sua elite política", então esta parte do acordo foi previsivelmente vaga.
"O documento é muito […] pouco concreto. Esperava-se que contivesse alguns passos reais por parte de Pyongyang para diminuir o seu potencial nuclear e de mísseis: em particular, por exemplo […] a demolição de algumas instalações nucleares ou até a entrega de alguma quantidade de urânio enriquecido e plutônio aos EUA ou a terceiros países. Mas no documento não há nem uma palavra sobre isso", detalha Lankov no seu artigo para o Clube Internacional de Discussões Valdai.
Trump "tinha todos os trunfos na manga" para obrigar Pyongyang a fazer concessões consideráveis, mas não o conseguiu, sendo este "um grande embaraço da diplomacia americana e, de facto, da diplomacia de Trump".
Finalmente, poderá repetir-se a situação de 2017, adverte o professor: Pyongyang continuará desenvolvendo seu programa de mísseis e de armas nucleares e o mundo perderá a oportunidade de acabar com o problema da proliferação de armas de destruição em massa.