Faltando apenas um mês para a Copa do Mundo, não era o penteado de Neymar ou as táticas de Tite que preocupavam o brasileiro. O que elevou os ânimos no país foi uma greve de caminhoneiros que estremeceu a produção como há muito tempo não se via, derrubando a indústria já enfraquecida pela crise a níveis de 2008.
A sociedade brasileira foi obrigada a reagir, e 87% da população chegou a apoiar o posicionamento da gigantesca categoria, peça-chave para o abastecimento dos serviços e o escoamento da produção.
O complexo movimento de caminhoneiros apresentava propostas difusas. Ora a pauta parecia pedir intervenção militar e ter um motivo político amplo, ora se concentrava em pressionar o governo de Michel Temer para abaixar os preços dos combustíveis através da isenção de impostos.
Apesar do tom difuso, a paralisação que sequestrou a atenção do país gravitou em torno da política de preços da Petrobras, sustentada pelo então presidente da estatal, Pedro Parente, substituído por Ivan Monteiro após a greve dos caminhoneiros.
Desde julho de 2017, já no governo de Michel Temer, a política da empresa passou a estar atrelada à variação internacional no mercado de petróleo, assim como ao preço do dólar. O preço passaria a acompanhar a oscilação do mercado de óleo cru.
Com isso, o valor pago pelo consumidor nos combustíveis passou a flutuar com frequência, e as disputas internacionais se refletiram em uma alta de preços indesejada para um país de mais de 13 milhões de desempregados e jogado nos braços da informalidade.
A política é antagônica em relação à anterior, empregada no governo de Dilma Rousseff, que controlava os preços de forma subsidiada. Ela não teria sido a primeira a adotar a fórmula que, segundo especialistas, há décadas impera no país.
Para comentar o assunto, a Sputnik Brasil entrevistou Jean-Paul Prates, consultor especialista no setor de Energia e coordenador do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (CERNE).
"A meu ver essa política não deu certo. Claramente não deu certo e mais do que não dar certo ela não passou no teste de estresse", afirma Prates, que acredita que há um erro conceitual na política de preços operada pela Petrobras.
Ele aponta que o teste de estresse, ou de tensionamento, se dá quando a situação se torna desfavorável. Como no caso das flutuações internacionais que se refletiram no aumento de preços dos combustíveis no Brasil, o que teve consequências políticas desastrosas.
Jean-Paul aponta os erros conceituais na política aplicada por Pedro Parente, que para ele tem problemas ligados ao projeto nacional no setor de Energia, intrinsicamente ligado ao petróleo.
"Ela inverte a lógica de 60 anos de busca pela autossuficiência de petróleo no Brasil. Ora, durante 60 anos, todos os governos, independente de ser de esquerda, de direita, governos ditatoriais, governos democráticos, todos eles tiveram uma unanimidade — perseguir a autossuficiência para libertar o Brasil da dependência estrangeira de compra de óleo e de combustíveis. E para também livrar o Brasil da insegurança que traz a volatilidade dos preços internacionais", ressalta o especialista.
Ele relembra que essa busca de seis décadas de investimentos e riscos, inclusive em períodos de baixa histórica no preço do petróleo, como nos anos 1980, é um legado político brasileiro, que só foi possível graças à estatal brasileira com controle do Estado e regime de capitalização mista.
A autossuficiência em petróleo foi anunciada no Brasil em 2006, fruto de décadas de pesquisa, investimentos e desenvolvimento do Estado brasileiro. Esse ponto abriu portas para o crescimento da indústria do petróleo no Brasil, com demandas de emprego e tecnologia.
Segundo Jean-Paul Prates lembra, é aí que uma política de preços baseada em patamares de reajuste começa a ser aplicada, para assim garantir mais estabilidade dos preços e segurança para toda a cadeia produtiva dependente do combustível. O que só foi possível, afirma o especialista, devido ao papel desenvolvido pela Petrobras como empresa estatal.
"Quando o Parente, ou antes dele, começa um ano atrás essa política de preço real, reajuste em tempo real de preço praticamente dolarizado, eu estou indo na contramão dos benefícios da autossuficiência. Porque quando eu imaginava que ser autossuficiente me daria um pouco mais de previsibilidade e menos volatilidade, justamente entra uma equipe que diz ‘não, agora vai ter que ser preço de mercado porque eu quero continuar importando combustível'", ressalta Jean-Paul Prates.
A adoção da política de preços com variação de mercado, afirma, seria uma necessidade para garantir investimentos estrangeiros, o que para Prates se trata de mero equívoco.
Para Prates, a política pode até funcionar em outros países, mas para um país como o Brasil, com um projeto de seis décadas para alcançar a autossuficiência, esta política se mostra contraditória e problemática.
É, portanto, para Prates, nessa contradição entre um projeto nacional e uma política de preços nova, que está o grande problema do que foi aplicado pelo governo de Michel Temer através da figura chave de Pedro Parente.
"Conceitualmente essa política está errada porque está em dissonância, não é que está errada porque outros países não fazem, não. É que para um país que chegou à autossuficiência, e lutou 60 anos para isso, ela não faz sentido", conclui.
A quem interessa essa política?
A política de preços, segundo aponta Jean-Paul Prates, beneficia a um grupo ainda desconhecido, e que esse questionamento deveria estar sendo feito tanto pela opinião pública, quanto pelo Congresso Nacional.
"Essa é a pergunta do milhão. Quem aproveita essa política? Há um grupo certamente muito pequeno de pessoa que entendem que precisam entrar no refino e na importação de combustíveis no Brasil, e que para isso não abrem mão de sacudir o cachorro inteiro desde que o rabo fique quietinho ali", reforça Prates, dando a entender que há interesses ainda não explicados nessa história.
"[…] esses administradores que são administradores públicos […], eles precisam explicar a essa opinião pública, não só acionistas, mas a opinião pública em geral, que interesse move querer abrir fatia de mercado para o próprio concorrente dessa empresa. Quando um presidente de uma empresa vem a público e diz ‘eu sou da opinião que eu tenho que diminuir o refino nacional para dar espaço para o meu concorrente' que presidente de empresa sou eu?", ressalta o especialista.
Para ele, além de tudo, a política aplicada trata-se de uma ação intervencionista direta do governo no mercado. O que, em sua visão, remete às acusações apontadas ao governo anterior, de intervencionismo nos preços e instrumentalização da Petrobras.
Qual seria a política ideal?
Jean Paul-Prates conclui a entrevista afirmando que a política ideal de preços para a empresa deve retomar a tradição do projeto brasileiro de autossuficiência.
"A política ideal é você voltar a convergir para o modelo que o Brasil escolheu e trilhou durante todo esse tempo de seis décadas, ou até mais, que é o seguinte: eu persegui a autossuficiência e conquistei, a partir do momento que eu tenho segurança volumétrica de petróleo para mim, eu pratico preços paritários aos internacionais, para não ficar muito fora do mercado mas vou fazer reajustes para dentro periódicos e em patamares", conclui, apontando que a periodicidade e os parâmetros de reajuste devem ser claros e pré-definidos.
Dessa forma, longe da imprevisibilidade da variação internacional de preços, o país poderia planejar melhor seus investimentos, e a sociedade civil não pagaria os efeitos diretos das altas no exterior, como na crise dos caminhoneiros. Com esse estabelecimento, afirma, inclusive os acionistas da empresa teriam como prever a recuperação de investimentos.
Para ele, por fim, tanto Dilma Rousseff como Michel Temer erraram na política de preços, e que o ideal seria encontrar um meio termo, sem uso político do reajuste de um setor tão vital para a vida cotidiana no Brasil.