A recusa oficial em divulgar o documento vem apesar das fervorosas recomendações do principal arquivista estatal israelense, Dr. Yaacov Lozowick, e da campanha de investigação do Instituto Akevot.
De acordo com as leis do sigilo oficial de Israel, o relatório deveria ter sido disponibilizado ao público em 1998, no entanto, os arquivistas estatais argumentaram que ele deveria permanecer secreto. O Dr. Lozowick tentou reverter essa decisão em 2014, mas sua recomendação foi contestada por Ilana Alon, diretora dos Arquivos da Força de Defesa de Israel e do Departamento de Defesa.
Resiliência democrática
O caso para desclassificação de Lozowick está disponível através de vários recursos on-line. Nele, ele deixou claro que "não havia justificativa" para a recusa da publicação do relatório depois de tantos anos, e ao fazê-lo demonstrou que "o Estado tem algo a esconder".
"Se após a passagem de mais de meio século, o Estado ainda está escondendo certos arquivos do público, é apenas porque eles contêm segredos particularmente obscuros […] Uma sociedade democrática é obrigada a permitir uma discussão livre de suas guerras. A discussão é uma garantia de resiliência democrática. Este arquivo talvez contenha material para tal discussão, mas essa é uma razão para abri-lo, não para fechá-lo", explicou.
O apelo do arquivista estatal foi ignorado, e o comitê governamental que supervisiona a divulgação de arquivos confidenciais bloqueou sua publicação por mais cinco anos sem motivos aparentes. No entanto, os ministros não restringiram os cidadãos de ver o relatório "em carne e osso". Como resultado, os pesquisadores do Instituto Akevot localizaram e digitalizaram uma cópia do Relatório Riftin armazenado nos Arquivos de Yad Tabenkin e prepararam-se para publicá-la em seu site, enviando sua versão à censura militar israelense para revisão em novembro de 2017. Vários meses depois, eles receberam uma resposta.
"Depois que Akevot emitiu uma carta exigindo que a censura apresentasse sua decisão no prazo de sete dias, Akevot recebeu uma cópia do relatório com cada uma das páginas circulada e carimbada com a palavra "em espera", em outras palavras, impedida de ser publicada até o momento da decisão final da [comissão de] Censura Militar. Apesar de vários recados, nos últimos oito meses, a censura ainda não decidiu se permitirá a publicação deste documento de março de 1948", escreve o grupo.
Para a organização, a saga do Relatório Riftin é um exemplo palpável da questão mais ampla da determinação do governo israelense de suprimir material de arquivo que implica o Estado em atrocidades cometidas contra civis quando o país estava engatinhando. Por exemplo, o Tribunal Militar de Apelações está atualmente revisando o pedido de um historiador para desclassificar os arquivos relacionados ao massacre de Kafr Qasim em 1956 — uma aplicação firmemente oposta pelo Ministério das Relações Exteriores, pela Censura Militar de Israel e pelo Departamento de Segurança de Informações das IDF. As autoridades igualmente bloquearam repetidamente as tentativas de desclassificar os arquivos relacionados ao massacre de Deir Yassin, em 1948, embora tenham se decidido pela publicação de versões altamente editadas devido à pressão da opinião pública.
In Nov 2017 we submitted to the Military Censor's review a 1948 document describing an investigation into serious crimes. Eight months later the Censor has yet to provide a decision approving or denying release of the Riftin Report: https://t.co/xdLZPmK5Bc pic.twitter.com/OoBfhRRoRA
— Akevot (@Akevot) 6 de julho de 2018
Em novembro de 2017, submetemos à análise da Censura Militar um documento de 1948 descrevendo uma investigação sobre crimes graves. Oito meses depois, a Censura ainda não forneceu uma decisão aprovando ou negando a liberação do Relatório Riftin
"Enquanto muitos [desses] incidentes são discutidos na imprensa e na literatura histórica, o Estado faz grandes esforços para reter a publicação de registros arquivísticos que documentam os incidentes e as respostas do Estado a eles, citando a necessidade de proteger a segurança nacional e as relações externas. O resultado é a distorção da história e a negação tanto de um registro de nosso passado como da capacidade de se ter uma discussão baseada em fatos sobre crimes de guerra cometidos por soldados das IDF e membros das forças de segurança durante anos, inclusive antes da formação do Estado", argumenta Akevot.
"Leitura Difícil"
A situação se torna ainda mais complicada com a recente publicação de um extenso resumo do Relatório Riftin pela principal mídia israelense Haaretz. Sua análise refere-se ao documento como "leitura difícil", mesmo após se terem passado décadas.
O relatório aparentemente não resolve questões-chave sobre quem eram os cristãos poloneses assassinados, por que estavam em Tel Aviv imediatamente antes da criação de Israel e por que eles foram mortos. No entanto, ele documenta seus destinos com algum detalhe.
"Três semanas atrás, um cristão polonês foi preso em Tel Aviv e levado para a base de Yona. Ele não foi interrogado. Seu guarda atirou e o matou. O corpo foi levado e jogado no Jardim Hadassah", diz Haaretz.
Um caso posterior envolveu outro cristão polonês também detido em Tel Aviv. Seu interrogatório, no qual ele foi confessadamente submetido a tortura, aparentemente o expôs como uma figura envolvida em roubos desde jovem — também foi estabelecido que ele tinha "laços com alemães no exterior" […] Foi executado".
Mais dois poloneses foram mortos depois de serem presos perto da estação central de ônibus de Jerusalém pois "não conseguiram explicar o motivo de sua presença lá". Comunica-se que "surgiram suspeitas de que estavam espionando os preparativos para os comboios que partem para Tel Aviv", já outro comunicado sugere que "uma carta recomendando [o possuidor] como um nazista alemão" foi encontrada com um deles.
Outro polonês detido em Jerusalém é descrito como um "instrutor de gangues" e "ladrão bem conhecido", que segundo rumores trabalhava para o departamento local britânico de investigação criminal. Sua execução não se relacionou com essas alegações — em vez disso, o relatório afirma que ele foi executado devido a temores de que ele seria capaz de identificar a localização do sítio onde ele foi interrogado.
"Ele foi preso com outros dois, que foram libertados depois de um breve interrogatório […] ele foi transferido rapidamente para outro lugar e não estava vendado. Por razões relacionadas ao perigo de ele fazer revelações, se fosse libertado, e também com base no material que apontamos, foi decidido liquidá-lo."
Muitos problemas
O autor homônimo do Relatório Riftin, Ya'akov Riftin, era membro do "Comitê de Segurança" do Yishuv, que aprovou as decisões de política de segurança antes do estabelecimento oficial de Israel em maio de 1948. Ele foi indicado por Ben-Gurion para investigar não apenas o processo extrajudicial dos assassinatos dos poloneses, mas um verdadeiro catálogo de crimes supostamente cometidos por Haganá, e pela Palmach — a força de ataque da organização militar.
"Queixas sérias chegaram até mim sobre desordem e ilegalidade entre vários membros da organização… roubo de árabes, assassinato de poloneses e árabes sem causa ou com causa insuficiente, e em qualquer caso sem julgamento, ações impróprias contra judeus também, casos de furtos, desvio de fundos, tortura de árabes durante os interrogatórios, entre outros", escreveu Ben-Gurion em sua carta de nomeação.
Outros incidentes examinados por Riftin incluem a execução de vários árabes, incluindo um taxista sequestrado por uma unidade da Palmach junto com seu veículo. Ele foi "morto", e o carro foi mais tarde usado pelos mistaravim — uma unidade secreta que se disfarçava de palestinos para realizar várias operações controversas.
Mais uma vez, os relatos do destino do motorista são diferentes. Um deles sugere que não havia intenção inicial de matá-lo, apenas de roubar o carro e deixá-lo ao lado da estrada. No entanto, quando o indivíduo começou a se gabar de seu papel ativo em "gangues" locais, os agentes da Palmach tentaram sequestrá-lo para interrogá-lo, mas foram "forçados a liquidá-lo" quando ele "resistiu".
Outra versão da história afirma que tentaram dominar o motorista com morfina antes de pegar o carro, então ele foi colocado no porta-malas do veículo, mas por ele ter começado a gritar, os agentes foram "obrigados" a atirar nele três vezes.
Seja qual for a realidade, o taxista anônimo parece ter sido ''sortudo'' quando comparado a outro árabe anônimo morto por agentes do Haganah em uma região semidesértica do sul de Israel. Ele foi submetido a interrogatório por "pessoas não autorizadas" e "cruelmente torturado" — "seu órgão genital foi apertado com um alicate… sua cabeça foi esmagada contra uma parede… o árabe foi jogado em um buraco, baleado e coberto".