Nos combates, que se intensificaram em meados de julho, já mais de cem pessoas foram mortas. Entre as vítimas estão militantes originários do espaço pós-soviético, incluindo mulheres, que vieram lutar pelo Daesh.
Quem é o dono do Afeganistão
Aos poucos, os jihadistas estão assumindo controle do fluxo ilegal de armas e drogas nas regiões fronteiriças, privando o Talibã de sua renda habitual.
A competição econômica é exacerbada por contradições ideológicas. Os adeptos do Daesh criticam os talibãs por suas "superstições pagãs" e atraem para o seu lado os jovens. O Talibã considera o Daesh como ateus e mercenários que semeiam a discórdia e a violência.
O fato mais importante no confronto é a batalha pelas mentes. Durante décadas, foi o Talibã que incorporou a única versão do islamismo radical no Afeganistão. A situação mudou com a chegada do Daesh. Em vez do conceito de emirado muçulmano em um território limitado, os militantes provenientes da Síria e do Iraque estão propagando o "califado" global. Sua pregação recebe aceitação entre os afegãos instruídos que conseguem ser convencidos que as tradições rurais, nas quais insistem os talibãs, não correspondem ao espírito do Alcorão.
A luta ideológica não se limita ao território do Afeganistão. Desde a década de 1990, os talibãs recebiam o fluxo de voluntários que vinham da antiga União Soviética: sobretudo da Ásia Central, Chechênia, Daguestão, mas também nativos da região do Volga. Hoje, os islamistas dessas regiões preferem o Daesh. Para os defensores do "califado" na fronteira afegã-turcomena, a ajuda externa é muito importante, especialmente os cuidados médicos.
"Não é nenhum segredo que a maioria morreu devido a ferimentos nos confrontos", disse Andrei Serenko, especialista do Centro Russo para o Estudo do Afeganistão Contemporâneo.
Segundo ele, a importância dos médicos militares é essencial, mas tanto os talibãs quanto os adeptos do Daesh precisam que os médicos compartilhem suas crenças.
Democracia como heresia
O que está acontecendo na fronteira ameaça a segurança da Rússia. O avanço de grupos jihadistas no Turcomenistão ou Uzbequistão resultaria na desestabilização de toda a região da Ásia Central. Mas, enquanto os islamistas estiverem focados em lutas internas, eles não têm disponibilidade para se preocuparem com as antigas repúblicas soviéticas. Como foi observado em uma conversa com especialistas à Sputnik, "se os islamitas quisessem invadir a Ásia Central, eles já o teriam feito".
A lógica dos atentados terroristas sugere uma direção diferente do ataque principal. Ambos estão tentando atrapalhar as próximas eleições que decorrerão em outubro no país. Eles mantêm uma política de intimidação dos eleitores: explodem seções de votação, matam membros de comissões eleitorais. Para o Daesh, a interrupção das eleições é uma tarefa fundamental: a democracia é vista pelos defensores do "califado" como uma variedade do "politeísmo". Eles punem pelo apoio à democracia conforme a lei medieval – cortando as mãos.
A capital do Afeganistão, Cabul, chega de vez em quando a acordo com os talibãs sobre tréguas e mantém contatos constantes com os líderes desse movimento, considerando-os um mal menor. O presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, anunciou uma recente trégua de três dias como uma grande conquista.
Na verdade, comparar os diferentes islamistas entre si é miopia.
"Por trás do Talibã também está uma organização terrorista internacional, Al-Qaeda", enfatiza Andrei Serenko, acrescentando que o desejo de se reconciliar com o Talibã para atacar o Daesh não será a tática mais bem-sucedida.