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Debate no STF prova que descriminalização do aborto ainda está longe de consenso no Brasil

© José Cruz/Agência BrasilSessão do Supremo Tribunal Federal (STF)
Sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) - Sputnik Brasil
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Terminou nessa segunda (6) o debate convocado pelo STF em torno da ação de descumprimento de preceito fundamental pela descriminalização do aborto (ADPF). A Sputnik Brasil conversou com duas entidades convidadas à audiência: o Movimento Brasil sem Aborto e o Católicas pelo Direito de Decidir.

A ADPF nº 442 foi protocolada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2017. A intenção é excluir os artigos 124 e 126 do Código Penal, ambos referentes ao crime de interrupção da gravidez para as mulheres e para os médicos que facilitam o aborto. 53 organizações e pessoas escolhidas foram convidadas como Amicus curiae ("amigo da corte" no latim), termo utilizado para os arguidores que falam ao Supremo em matérias relevantes e de grande impacto.

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Regina Jurkewicz é coordenadora da organização Católicas pelo Direito de Decidir. O movimento internacional foi fundado em Washington e está presente em 12 países. No Brasil está presente desde 1993, com escritório em São Paulo e se articula com ONGs, movimentos feministas e entidades civis para questionar leis eclesiásticas da Igreja, especialmente as relativas ao direito reprodutivo e ao aborto. Presente na audência do STF, Jurkewicz se manifesta contrária à declaração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que, na mesma ocasião, manifestou-se contrária ao tema e acusou os juízes de "ativismo". No posicionamento da CNBB, o representante, padre José Eduardo de Oliveira, chegou a acusar a Corte de fazer do evento um “teatro armado” para legitimar o processo.

"A Igreja não tem uma visão única, ela é plural, tem práticas de catolicismo diferenciadas, ideologias diferenciadas. Temos na representação da CNBB um setor que tem mais peso e que fala a sua posição, mas sabemos que historicamente esta questão não é consensual. Quantas mulheres são católicas e abortam? Não é compatível falar que por ser católica, não é possível defender a legalização", argumenta Jurkewicz. "A CNBB teve um discurso infeliz porque começou negando o valor dessa discussão no próprio STF, coisa que que não corresponde ao esforço coletivo (…) Há um campo de disputa e ainda que as declarações da CNBB sejam nesse sentido oficial, cada vez mais crescem entre os fieis, um incômodo com esta posição fechada da Igreja Católica". 

Regina também critica o posicionamento do Vaticano em torno do tema, embora veja atenuantes no discurso do Papa Francisco. Em junho, o papa comparou o aborto ao "programa eugenista nazista". "Hoje, fazemos a mesma coisa, mas com luvas brancas", disse à época. Francisco já se mostrou duro também em outros momentos, como quando afirmou durante a Jornada Mundial da Juventude em 2013 que considerava o DIU e a pílula do dia seguinte métodos abortivos.

Mini-documentário realizado pelo grupo Católicas pelo Direito de Decidir sobre a ADPF.

"Independente da doutrina católica, que [há vida] desde o momento da concepção e a prática do aborto deve ser condenada, o papa Francisco, ainda que tendo declarações contraditórias, também demonstra manifestações de compreensão e compaixão. A gente teve o ano do Jubileu e o papa propôs que os padres pudessem oferecer perdão a mulheres que abortaram. Ao mesmo tempo que você tem essa fala [a comparação com o nazismo] que é absurda, você tem uma atitude que não é condenatória e que é de compreensão da realidade destas mulheres", acredita.

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Já para a coordenadora do movimento Brasil sem Aborto, Lenise Garcia, o discurso em torno da descriminalização do aborto no Brasil parte de números incorretos e inflados. Tomando os números do Uruguai como exemplo, Garcia argumenta que a descriminalização do aborto por aqui pode fazer o número de procedimentos aumentar. Por lá, as estatísticas entre 2012, ano da legalização, e 2018 aumentaram 37%, mas especialistas locais dizem que a tendência estabilizou-se com uma média de 815 casos por mês de acordo com dados do ministro da saúde uruguaio, Jorge Basso.

"O aumento é o indicativo mais eficiente de que a legalização faz aumentar o número de abortos, do contrário esse procedimento de esclarecimento deles [dos profissionais da saúde] só tenderia a se aperfeiçoar e a tendência, com isso, de o aborto diminuir e não é isso que a gente vê".

No país vizinho, a mulher que decide abortar precisa passar por uma consulta com ginecologistas, assistentes sociais e psicólogos. A partir de então, precisa esperar 5 dias, o chamado "período de reflexão", para decidir seguir ou não em frente com o aborto. Lenise critica a efetividade da medida, afirmando que "nos hospitais de aborto legal a gente não vê esse tipo de apoio [psicológico à mãe], há um atendimento diretamente dirigido para que a pessoa que vá lá faça o aborto, não há de forma alguma um chamado à reflexão. Se tem que fazer o ultrassom, aconselha-se que a pessoa não olhe para que ela não tenha depois uma percepção mais clara daquilo que ela está fazendo".

Embora argumente que as estatísticas em torno do número de abortos realizados no Brasil sejam díspares — "ele variou 100%, de 500 mil no estudo da [professora da Faculdade de Direito da UNB] Débora Diniz a 1 milhão pelo Ministério da Saúde durante a audiência no Supremo", argumenta a ativista —, Lenise acredita que saber o número de fato "não tem grande relevância". 

"O que é relevante é a estratégia que eu faço para que o aborto não seja tão presente, por exemplo, estratégias educacionais e aí eu vou ter que falar 100% dos jovens", defende Lenise. Ela também diz que os estudos em torno do número de abortos deveriam ser conduzidos por "alguém menos comprometido com a causa". "A gente nunca foi convidado [ a participar destes estudos], mas não teríamos problema nenhum em participar, inclusive porque temos na Brasil sem Aborto entidades que cotidianamente estão conversando com mulheres que querem fazer o aborto e não existe nenhuma dificuldade em relação a isso", critica.

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Como forma de sanar o problema, Lenise defende que o governo trabalhe políticas de planejamento familiar.

"Este problema [se resolve] com a diminuição da gravidez inesperada (…). O planejamento familiar é uma política pública ampla, que não significa de forma alguma a diminuição da natalidade. É ajudar a pessoa a fazer o planejamento para ter realmente os filhos que deseja e isso envolve também condições sociais para que isso seja realizado. A gente tem que pensar em políticas amplas e não pura e simplesmente centrados neste assunto [aborto]", finaliza.

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