Além das inúmeras sessões e debates sobre política, economia, demografia, problemas sociais e tecnológicos, o evento tradicionalmente faz questão de organizar um programa cultural e esportivo muito extenso. Para isso, se usa o cais na baía de Ayaks, que fica ao lado da Universidade Federal do Extremo Oriente, palco do fórum que contou inclusive com participação de Vladimir Putin e seus homólogos chinês, japonês e mongol.
O foco principal dos organizadores foi o inédito campeonato de mas-wrestling, modalidade que poucos conheciam ainda alguns anos atrás, mas que hoje em dia reúne atletas de 46 países do mundo.
O próprio esporte provém mesmo da Yakútia, onde as temperaturas variam de 60 graus negativos no inverno a 40 graus positivos no verão. Essa é a maior entidade administrativa da Federação da Rússia, equivalente a quase 6 Franças, 10 Itálias e 13 Inglaterras, porém, com pouca densidade populacional devido ao clima severo e aos grandes territórios de pergelissolo.
Vejam mais alguns momentos da competição de hoje! #EEF2018 #maswrestling pic.twitter.com/C0d8hZQxuY
— Ekaterina_Nenakhova_SputnikBR (@ESputnikbr) 12 de setembro de 2018
A modalidade tem regras bem fáceis: dois atletas fazem duas lutas (em caso de empate, são três), sentados um em frente do outro e segurando um bastão de madeira (na língua nacional é "mas" mesmo). Após eles segurarem com o aperto correto, o árbitro dá início à briga, vencida por aquele competidor que conseguir ficar com bastão sem tirar os pés do tabique, algo que divide os atletas e serve como suporte.
Embora seja ainda um esporte pouco conhecido pelo público, são cada vez mais os atletas e federações nacionais que surgem. Um grande papel nisso foi desempenhado inclusive pelo presidente russo, Vladimir Putin, que se engaja ativamente em desenvolver os esportes típicos das regiões russas e até promove sua ulterior introdução na lista de disciplinas olímpicas.
Foi nesse mesmo torneio, celebrado também com danças e canções folclóricas do povo iacute e até sorvete grátis feito com uso de carvão, que encontramos Ricardo Gevaerd Nort, entusiástico de mas-wrestling do Brasil e primeiro da América do Sul nessa disciplina. Esta é sua segunda vez na Rússia, depois de Moscou, e ele parece estar adorando a experiência, além de festejar o aniversário em terras que lhe fizeram percorrer 30 horas de avião para lá chegar.
Ricardo confessa estar envolvido nesse esporte por apenas um ano, tendo anteriormente praticado outro "esporte de força", ou seja, caratê, bem como levantamento de peso e atividades tipo "strongman". Porém, a sua experiência humilde no mas-wrestling não é um obstáculo para que ele esteja entre os seis melhores do mundo, como o campeonato de hoje (12) já o provou.
"A Rússia quer que se torne popular [essa modalidade] para a incluir nos Jogos Olímpicos. É uma modalidade muito interessante de se ver e fácil para ver quem está ganhando, então é uma disputa de homem e homem, uma luta sem violência. Segura, quem puxa o outro ganhou, não tem muito mistério", brinca o atleta, falando sobre como descobriu e se apaixonou pelo mas-wrestling pela primeira vez.
"Muito autêntico. Eles sempre mostram a cultura da Yakútia, as danças… Foi esporte que surgiu dos viking, remadores, então quando estavam sem remar ou para selecionarem os melhores, eles faziam com remo e então quem puxava, aí se selecionavam os mais fortes", conta Ricardo, com conhecimento tão profundo do tema que nem todo o russo tem.
A final foi disputada entre a Rússia e os EUA. Russo Ivan Galkin acabou levando o prêmio #EEF2018 #maswrestling pic.twitter.com/z4ReDbdyGx
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O atleta transmite suas melhores impressões da Rússia, assegurando que é muito "diferente" de todo o mundo.
"Não é ruim, nem bom, é diferente. […] A Rússia é muito peculiar", desabafa. "Eu acho que falta um pouco da Rússia no Brasil, de ordem, etc.", sorri.
Em um dia cheio de surpresas para a Sputnik Brasil, o Ricardo até acaba ouvindo uns versos em português declamados do palco pelo apresentador russo. Embora seja obra de Fernando Pessoa, pronunciada com bom sotaque lisboeta, aumenta a sensação de feitiço e surrealismo no ar. Como descobrimos depois, o entusiasta, Igor Golutva, estudou a língua de Camões em São Petersburgo, então Leningrado, e trabalhou em Angola. Que coincidência!
Em uma conversa com outro brasileiro, Vilmar Silva Oliveira, que é o presidente da Federação de Mas-Wrestling do Brasil, vice-presidente da Federação Internacional e responsável pelo desenvolvimento da modalidade na América do Sul, descobrimos como ele conheceu o esporte há 6 anos e se apaixonou por ele.
"No Brasil e na América do Sul, normalmente eu promovo cursos e seminários para falar da origem da modalidade. É bom para as pessoas entenderem de onde é, como surgiu, para depois praticarem. Senão, fica uma coisa sem história. Esse trabalho se desenvolve lá no Brasil em escolas, para todas as idades, já promovi em Amazonas, em São Paulo, no Rio, em vários lugares, vários estados, depois — no Uruguai, na Argentina", patilha Vilmar, que administra sua própria academia e revela se ocupar dessa modalidade por puro interesse altruísta, já que por enquanto não traz nem lucros nem compensações.
Mas isso não mina o entusiasmo do brasileiro, que afirma não poder esquecer seu primeiro contato com esse esporte. Diz que no início o considerava como uma coisa pequena, mas ficou completamente pasmado quando veio à Sibéria e viu grandes academias com "cinco-seis mil pessoas" e "todo o mundo de pé aplaudindo".
"Eu achei que era uma coisa pequena, e lá é uma coisa muito grande. Muito importante para eles", exclama ele.