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Em 1974, o Instituto Goiano de Radioterapia (IGR), privado e localizado no Centro de Goiânia, adquiriu uma bomba de césio-137. Onze anos depois, a instituição mudou de localização, abandonando o equipamento de teleterapia no interior das antigas instalações, que posteriormente foram demolidas sobrando apenas algumas salas em ruínas — e em uma delas se encontrava o aparelho.
Com o abandono, Roberto dos Santos Alves e Wagner Mota Pereira entraram na propriedade ilegalmente no dia 13 de setembro de 1987, levando consigo o aparelho radioativo.
No mesmo dia, os homens começaram a vomitar, achando se tratar de uma intoxicação alimentar, mas não deixaram de tentar abrir o aparelho.
Pereira, além de estar vomitando, começou a sentir náuseas e diarreia. Mas o mais visível era uma queimadura em uma de suas mãos. No dia 15, ele foi ao médico, que o aconselhou descansar em casa.
Alves foi quem liberou a cápsula da cabeça giratória, e no seguinte conseguiu perfurar a janela feita de irídio, que permitia a passagem da radiação para o exterior.
"Abriram e depois cada um foi para sua casa, onde se sentiram mal. Como Wagner estava e precisando comprar remédios, resolveu vender a peça a Devair Ferreira", relatou à Sputnik Mundo a presidente da Associação das Vítimas do Césio 137, Sueli Lina Moraes.
No dia 18 de setembro, os dois decidiram vender a cápsula, mesmo fascinados com o achado. Como se tratava de metal, os dois resolveram oferecer ao dono de um ferro-velho, Devair Ferreira, que considerou a peça valiosíssima, levando para casa, onde a expôs inconscientemente ao ambiente quase 20 gramas de cloreto de césio-137 (CsCl), muito parecido com sal de cozinha, mas que emite um brilho azulado na escuridão.
A substância estava fascinando todos os conhecidos e familiares de Devair, que distribuía com os mais próximos. Sua mulher — Maria Gabriela, por exemplo, começou a perder cabelo, a ter uma hemorragia interna e a sofrer de confusão mental. O irmão de Devair, Ivo Ferreira, levou um pouco da substância para sua filha, Leide das Neves, que não só tocou como ingeriu partículas do césio.
Devair vendeu o material a outro ferro-velho no dia 25 de setembro. Vale destacar que foi Maria Gabriela quem notou que alguma coisa estranha estava acontecendo, pois todos ao redor estavam adoecendo simultaneamente. Ela decidiu pegar a substância de volta para levá-la a um hospital local, onde foi confirmado por um físico se tratar de radiação.
No mesmo dia, 23 de outubro, morreram Leide e Maria Gabriela, que foram enterradas em covas vedadas com cimento. Por sua vez, Devair passou por tratamento no Rio de Janeiro, e morreu sete anos depois.
O caso ganhou repercussão nacional, fazendo com o que o governo tomasse medidas extraordinárias para limpar a zona contaminada. Em alguns locais, a camada superior do solo foi removida, e nos prédios onde a sustância entrou em contato foram confiscados e analisados todos os móveis minuciosamente.
A descontaminação foi complicada já que o material ativo era solúvel em água. A limpeza produziu várias toneladas de resíduos radioativos, que representaram durante décadas perigo ao meio ambiente.
Umas 112 mil pessoas foram examinadas no Estádio Olímpico de Goiânia. Dentre elas, 249 pessoas foram identificadas com altos índices de radiação — 120 tinham radiação na vestimenta e outras 129 haviam sido contaminadas.
"Hoje em dia, a maioria das pessoas sofre de hipertensão e diabetes. Além disso, há outras pessoas com outros problemas de saúde. Nem todos dividem esta informação, mas sabemos que muitas pessoas sofrem de dolências", explicou Sueli Lina Moraes.
Segundo explicou Moraes, o acidente fez com que o governo criasse o Centro de Atenção aos Afetados pela Radiação, que, atualmente, divide os pacientes em três grupos.
No primeiro grupo entram as pessoas com dose superior a 20 REM no corpo (em 2017 havia 94 pessoas neste grupo). Já os pacientes que apresentam taxas inferiores a 20 REM entram no segundo grupo (88 pessoas). No terceiro grupo estão todos que trabalhavam e viviam na zona contaminada, ou seja, 959 pessoas.
"O governo brasileiro ajudou as vítimas do acidente pagando pensões e dando assistência médica. Só que foi aparecendo o terceiro grupo, das pessoas que foram trabalhar com as vítimas, ou seja, os moradores, as enfermeiras e os médicos — todos se contaminaram", indicou Moraes.
Depois de três décadas, ainda dá para ver os efeitos da catástrofe.
"Há uma incerteza, pois não sabemos o que vai acontecer com os pacientes e conosco. Depois de 31 anos, agora estão surgindo consequências, com muitas pessoas do terceiro grupo sofrendo de câncer, que foram aqueles que não receberam assistência na época", concluiu Moraes.