Pouco antes do início desta Semana do Desarmamento (celebrada de 24 a 30 de outubro, segundo decisão das Nações Unidas), em reunião com integrantes da Frente Parlamentar da Segurança Pública na última terça-feira, no Rio de Janeiro, Maia (DEM-RJ) prometeu tratar ainda neste ano de uma agenda que muitos esperavam só ser discutida após o início de uma eventual administração de Jair Bolsonaro (PSL-RJ) no Palácio do Planalto. Líder nas pesquisas de intenção de votos para o segundo turno da corrida presidencial, o deputado federal e militar da reserva tem na defesa dos armamentos uma de suas principais propostas.
Se alguém me explicar como resolver isto sem dar um tiro, eu mudo minha posição sobre armas. pic.twitter.com/4plGlaBqkZ
— Bolsonaro 17 (@Bolsonaro1712) 18 de outubro de 2018
O Projeto de Lei 3722, que a Câmara deve considerar, é de autoria do deputado Rogério Peninha Mendonça, do MDB de Santa Catarina, e "disciplina as normas sobre aquisição, posse, porte e circulação de armas de fogo e munições, cominando penalidades e dando providências correlatas". Em tramitação desde 2012, o pacote a ser colocado em pauta deve incluir, segundo parlamentares citados pelo jornal O Globo, a retirada da exigência de que o cidadão comprove a necessidade de ter uma arma (conforme decisão atualmente concedida pela Polícia Federal), a autorização do porte de arma dentro dos limites das propriedades rurais e, por outro lado, a diminuição das atuais seis armas por cidadão para três.
Com altas taxas de criminalidade e índices de mortes violentas intencionais que chegaram a 63.880 de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2018, o Brasil, apesar dos quase R$ 85 bilhões gastos com o setor só no último ano, vive uma crise na segurança pública que preocupa os mais diversos grupos da sociedade. Muitos temem que com um número maior de armas em circulação, os registros de mortes violentas aumentem ainda mais.
Cerqueira explica que uma pesquisa realizada em São Paulo revelou que um cidadão armado, quando é assaltado, tem um aumento de 56% na chance de ser executado. Por esse motivo, muitos policiais preferem andar desarmados quando estão de folga.
Outro problema apontado pelo especialista diz respeito à alegada falta de preparo de uma parte muito significativa da população para lidar com um instrumento tão perigoso quanto esse:
"Você imagine em uma sociedade como a nossa, com as pessoas com ódio umas das outras, as pessoas que se envolvem em conflitos violentos, seja em briga de bar, seja em briga de trânsito, seja em briga de vizinhos ou até em questões passionais, todo mundo armado", argumentou. "Eu não tenho dúvidas de que será uma tragédia para o país."
Apesar da existência do Estatuto do Desarmamento, lei federal sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva no final de 2003, várias medidas legais adotadas ao longo dos últimos anos já vêm permitindo uma certa flexibilização nas normas para posse e porte de armas no Brasil. Dados obtidos pelo Instituto Sou da Paz e reproduzidos pela Folha de S.Paulo mostram que, atualmente, cerca de seis armas são vendidas por hora no mercado nacional. Entre 2010 e 2017, o registro de novas armas para pessoas físicas saltou de 11.874 para 33.031.
Encher as ruas c/ mais armas não vai resolver a situação de violência que vivemos. Precisamos de ações eficientes que considerem tudo que está relacionado à violência, como a necessidade de melhorar a investigação policial para diminuir a impunidade. #NãoTáTudoBem #DáPraResolver pic.twitter.com/YVo95PI56l
— Instituto Sou da Paz (@isoudapaz) 24 de outubro de 2018
Para Daniel Cerqueira, o que teremos com a possível aprovação de novas mudanças pelo legislativo, se levado adiante o pacote que está sendo considerado por Rodrigo Maia, será o fim dos "últimos elementos que iam na direção do controle da arma de fogo".
"Querem que qualquer cidadão com mais de 25 anos possa ter arma de fogo. Então, você, simplesmente, vai à polícia e haverá um registro basicamente automático, e você vai ter acesso à sua arma. Então, vai ser uma facilitação indiscriminada da arma de fogo em todo o território nacional."
De opinião oposta à do pesquisador do Ipea, Fabricio Rebelo, coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes), acredita que o Brasil está preparado, sim, para flexibilizar sua legislação de acesso às armas. Ele argumenta que o país possui um histórico de regulação que já passou pelas "duas formas de tratamento da relação do cidadão com as armas de fogo". Até 1997, eram quase inexistentes as restrições: o porte sem autorização não era considerado crime, era comum que os indivíduos circulassem armados apenas com o registro, que era por sua vez facultativo. E, nessa época, segundo ele, os índices de criminalidade não eram tão graves quanto os registrados hoje, após as medidas de controle adotadas.
"A realidade brasileira no momento de maior flexibilidade no acesso do cidadão às armas de fogo era uma realidade de muito maior segurança se comparada à realidade atual", afirmou o analista à Sputnik Brasil. "Justamente após o recrudescimento das exigências para que o indivíduo tenha acesso a esses artefatos, praticamente inviabilizando isso e dificultando muito até mesmo a posse, nossos indicadores criminais pioraram muito".
Rebatendo a ideia defendida por muitos de que o armamento maior dos chamados cidadãos de bem poderia implicar em um número maior de armas nas mãos de criminosos, Rebelo diz que não há estudos capazes de comprovar essa teoria. Ao contrário, os levantamentos existentes no país sobre a apreensão de armas mostram que a maioria desses artefatos nunca entrou em circulação legal no país. Como exemplo, ele cita o último anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que indica que quase 95% das armas apreendidas em 2017 não foram cadastradas no sistema da Polícia Federal. Além disso, de acordo com ele, a ideia de que os bandidos teriam uma certa vantagem em relação ao cidadão armado para se defender não pode ser tomada como regra.
Brasil é 7º país no mundo com mais armas em circulação, aponta estudo https://t.co/8XKGpQ5WYp
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) 24 de outubro de 2018
"[...] Todas aquelas ocorrências em que o indivíduo consegue se desvencilhar de uma investida criminosa ou disparando uma arma sem que o tiro atinja o criminoso ou apenas com a presença da arma não entram em contabilização absolutamente nenhuma. Então, não se pode estimar a quantidade de vezes em que uma arma é utilizada eficazmente para desconstituir uma agressão", disse ele, acrescentando que também quando se fala em permitir ao cidadão o acesso às armas de fogo, isso está associado a uma capacitação do cidadão. "Não se fala em distribuir armas aleatoriamente para a população. Isso é absurdo."