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Indústria bélica vai perder se Brasil transferir embaixada para Jerusalém, dizem analistas

© Foto / Divulgação / AvibrásLançador que integra o Astros, sistema de mísseis desenvolvido pela empresa brasileira Avibrás
Lançador que integra o Astros, sistema de mísseis desenvolvido pela empresa brasileira Avibrás - Sputnik Brasil
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Recheado de militares, o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) pode causar irritação e preocupação na caserna em 2019 se insistir em transferir a embaixada do país em Israel para Jerusalém. Mais do que só o agronegócio, a indústria armamentista nacional pode sofrer perdas importantes.

É o que disseram especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil nesta semana. Segundo eles, a decisão – que já estaria tomada, segundo o deputado federal reeleito Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente – precisa ser muito bem pensada, já que tomar lado no Oriente Médio, algo jamais feito pelos governos brasileiros, trará problemas.

O cientista político e professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Maurício Santoro, relembrou o alerta feito pela Liga Árabe, grupo que reúne 22 países da região, em um comunicado repassado ao Ministério de Relações Exteriores brasileiro no início da semana.

O documento, divulgado pela Agência Reuters, afirma que "o mundo árabe tem muito respeito pelo Brasil e queremos não apenas manter as relações, mas também melhorá-las e diversificá-las", mas que "a intenção de transferir a embaixada para Jerusalém pode prejudicá-las". E as exportações de munições, que movimentou US$ 104 milhões entre janeiro e novembro, seria uma das primeiras afetadas.

"Quem quer o reconhecimento de Jerusalém como a capital não são os militares. Isso vem da bancada evangélica, isso é uma questão religiosa, e aí são as contradições destes grupos que fazem parte deste novo governo brasileiro. Tem uma ala militar, tem uma ala evangélica, e tem uma ala liberal do ponto de vista econômico. Estes três grandes grupos estão em conflitos muitas vezes, são essa coalizão interna que forma o governo", afirmou Santoro à Sputnik Brasil.

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"Então se o Brasil de fato reconhecer Jerusalém como a capital, com certeza haverá retaliações econômicas por parte da Liga Árabe. Não tenho dúvida disso. A minha discussão é que retaliações serão. Se eles vão apertar pelo lado das exportações agrícolas, em particular das carnes, que é o produto que o Brasil mais vende aos países árabes, ou se isso virá por meio dos contratos ligados à indústria armamentista. Possivelmente até as duas coisas", acrescentou.

'Cutucar onça com vara curta'

De acordo com dados disponibilizados pelo Ministério de Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MdIC) mostram que a indústria brasileira de "armas, munições, suas partes e acessórios" movimentou US$ 320,8 milhões em 11 meses neste ano. Contudo, conforme a Sputnik Brasil já mostrou em março, o impacto na balança comercial deve ser ainda maior, uma vez que os dados passam pelo crivo dos ministérios da Defesa e de Relações Exteriores, que se negam a divulgar todas as informações do setor.

O montante parece pequeno diante dos US$ 8,9 bilhões exportados pelo Brasil aos países árabes neste ano – que corresponde a 69,2% do total (US$ 6,16 bilhões) – e é composto por carnes, grãos e minérios –, porém não é nada desprezível. Apenas em janeiro, a Arábia Saudita fez compras de armamentos brasileiros da ordem de US$ 80,34 milhões, quase o total dos US$ 82,37 milhões gastos pela Liga Árabe em exportações da área bélica brasileira.

À Sputnik Brasil, o cientista político Augusto Cattoni, pesquisador do Instituto Atlântico, relembrou que o Brasil possui uma tradição de exportar armamentos para o Oriente Médio, algo que já foi maior nos anos 1970 e 1980, época em que a ditadura militar brasileira estabeleceu laços comerciais bélicos com nações como Iraque e Kuwait.

Embora acredite que qualquer mudança da embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém deva ser pensada com "bastante antecedência" e que, se realizada, seria como "cutucar onça com vara curta", Cattoni minimizou os eventuais impactos comerciais para o país, caso os árabes resolvam retaliar o país.

"Ninguém leva muito a sério que o Brasil queira se intrometer em um conflito no qual o Brasil é mero observador. O Brasil não tem nenhum interesse nacional que dependa do Oriente Médio. Quer dizer, então eu acho que [a transferência da embaixada] é mais uma questão de relações públicas, uma questão simbólica e ideológica, e mesmo comercial. O Oriente Médio não é um grande mercado para o Brasil. É verdade que exporta carne para vários países do Oriente Médio, mas é muito limitado. E evidentemente isso causará problemas às empresas exportadoras de proteína animal para o Oriente Médio, sem dúvida nenhuma", analisou.

Militares liberais e Paulo Guedes

Com sete dos 22 ministros advindos do seio militar, o governo Bolsonaro é visto como uma oportunidade de fomento e crescimento da indústria armamentista nacional. No âmbito interno, há uma expectativa em torno de uma flexibilização do Estatuto do Desarmamento. Para o exterior, a perspectiva é de maiores investimentos e apoio para o crescimento das exportações.

Entretanto, as idas e vindas do novo governo fazem os executivos do setor manterem a cautela. Em contato com a Sputnik Brasil, o presidente da Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB), Walter Bartels, informou "não ter informações" sobre o impacto da transferência da embaixada para Jerusalém para o mercado, enquanto nenhum executivo da Associação Brasileira das Indústria de Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE) quis falar sobre o assunto.

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Extraoficialmente, porém, há uma visão otimista, sobretudo pela presença de nomes de origem militar em posições-chave para o setor, como no Gabinete de Segurança Institucional (Augusto Heleno, general do Exército Brasileiro), na Defesa (Fernando Azevedo e Silva, general do Exército Brasileiro), na Ciência e Tecnologia (Marcos Pontes, tenente-coronel da Força Aérea Brasileira), e nas Minas e Energia (Bento Costa e Lima, almirante da Marinha do Brasil).

Além disso, a ala composta pelos militares e pelos liberais – estes comandados pelo superministro da Economia, Paulo Guedes – parece ser a mais coesa do novo governo Bolsonaro, o que dá a impressão que as demandas propostas pela caserna (dentre elas os investimentos e fomento da indústria armamentista) serão contempladas.

Segundo Maurício Santoro, é preciso ter cautela quanto ao alcance desta aliança interna entre militares e liberais. Dizendo-se "cético" quanto ao real liberalismo dos nomes egressos da caserna que irão compor o governo Bolsonaro, o cientista político ressaltou que há uma série de contradições a serem superadas.

"Eles [militares] têm de fato esse discurso um pouco mais de ser mais liberal, um pouco mais crítico daquele desenvolvimentismo, mas esse liberalismo nunca vai tão longe por exemplo quanto defender uma Reforma da Previdência que inclua os próprios militares, que hoje são responsáveis por metade do déficit da Previdência […] acho que tem gradações, tem diferenças, e eles gostam de se comparar à política do primeiro governo da ditadura, da política econômica do governo Castello Branco com Roberto Campos, com Bulhões de Carvalho, mas são gradações", avaliou.

Em recente visita aos Estados Unidos, onde cortejou a administração do presidente Donald Trump, Eduardo Bolsonaro reforçou que só falta decidir quando a embaixada brasileira será levada para Jerusalém. Sobre eventuais perdas comerciais com o mundo árabe, o filho do presidente eleito indicou, de maneira pouco clara, que o Brasil buscaria outros mercados – reforçando uma tendência de mais negócios bilaterais, e não em bloco junto ao Mercosul.

Para Augusto Cattoni, a estratégia ventilada pelo novo governo brasileiro é acertada e a presença de militares não representa qualquer problema ao país nesta tentativa de fomentar os negócios no exterior.

"Eu acho que, em teoria, a direção comercial do governo é válida porque eu acho que o Mercosul nos últimos 30 anos não foi a lugar nenhum. Eu acho que o Mercosul com o Lula ficou bastante politizado e escolheu lados que são contrários aos países desenvolvidos, que são os Estados Unidos e a Europa em particular, apostando no comércio Sul-Sul, mas isto também não levou a nada. Eu acho que essa ideia de querer fazer acordos comerciais com todo mundo de forma bilateral é uma boa estratégia porque realmente o Mercosul impediu que o Brasil fizesse esses acordos bilaterais com o mundo e, obviamente, os interesses do Brasil não são os mesmos interesses da Argentina e muito menos do que os interesses do Paraguai e Uruguai", ponderou.

Todavia, no caso do Oriente Médio o Brasil sempre enxergou um aliado não só no agronegócio ou nas vendas de armamentos, mas também em fóruns internacionais e multilaterais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial do Comércio (OMC). Qualquer retaliação árabe, na opinião de Maurício Santoro, terá impacto aqui.

"Quer dizer, o Brasil é bastante vulnerável a essas pressões vindas dos países árabes", finalizou.

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