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O Brasil de Bolsonaro será movido a energia nuclear?

Soldado em frente a uma fábrica de combustíveis nucleares.
Soldado em frente a uma fábrica de combustíveis nucleares. - Sputnik Brasil
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A energia nuclear também está na América do Sul. Recentes acordos da Argentina e sinalizações da equipe de Jair Bolsonaro apontam que o setor será priorizado no continente. A Sputnik Brasil conversou com o especialista no campo militar, Pedro Paulo Rezende, sobre o que esperar de Bolsonaro no setor nuclear e como será a relação com países vizinhos.

Desde a campanha presidencial, militares da equipe do presidente eleito, Jair Bolsonaro, davam sinais de que defenderiam o investimento no setor de energia nuclear. É o caso do general Oswaldo de Jesus Ferreira, um dos principais consultores de infraestrutura do futuro governo.

A ratificação dessas intenções se deu na escolha do almirante Bento Costa Lima Leite como ministro de Minas e Energia, um físico nuclear de quem já se sabe a preferência no setor energético.

Após a indicação, Bolsonaro assumiu de vez que pretende priorizar o fim das obras da usina nuclear de Angra 3.

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O Brasil tem hoje duas usinas nucleares em operação — Angra 1 e Angra 2 — que envolveram acordos com os Estados Unidos e a Alemanha. Angra 3 está em fase de construção, mas teve suas obras paralisadas após denúncias de corrupção da Operação Lava Jato envolvendo a Eletronuclear, empresa estatal que opera as usinas nucleares brasileiras.

O projeto nuclear brasileiro é um sonho de décadas e tem intrínseca relação com os militares. A implementação do projeto teve início durante a Ditadura Militar. Em 1970, uma licitação internacional foi vencida pela empresa norte-americana Westinghouse Electric Corporation para a construção de Angra 1, que só passou a operar em 1984.

Já Angra 2 fez parte de um processo diferente, envolvendo transferência de tecnologia do governo alemão. A ideia original era que 8 usinas fossem construídas, o que foi abandonado devido a problemas financeiros. Após altos e baixos na economia, Angra 2 só começou a operar em 2000.

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Angra 3, também parte do acordo envolvendo a Alemanha, teve as obras suspensas em 1991, retomadas em 2009 e novamente suspensas em 2015.

O processo vagaroso envolve problemas políticos e de reorganização do projeto nuclear brasileiro, mas é principalmente travado pelo alto custo de investimento.

Uma estimativa divulgada pelo jornal Folha de São Paulo chegou a apontar que a retomada das obras de Angra 3 seria mais cara do que a construção de novas usinas, onerando os cofres públicos em cerca de R$ 17 bilhões.

Uma bomba orçamentária

"A grande questão está no custo", explica o especialista no setor militar, Pedro Paulo Rezende, em entrevista à Sputnik Brasil.

"Esse é o grande problema, está certo? […] Nós temos equipamento suficiente para completar quatro usinas similares a Angra 2 e 3. O grande problema é a falta de dinheiro. E isso se agravou pela PEC dos gastos", lamenta Rezende.

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A PEC 241, à qual se refere Rezende, resultou na criação da Emenda Constitucional Nº 95 (EC 95). Aprovada pelo Congresso Nacional e assinada pelo presidente Michel Temer (MDB) em 2016, a EC 95 estabelece um teto para o orçamento público atualizado anualmente pela inflação. Com isso, a ampliação do investimento público fica proibida pela constituição por 20 anos, cabendo revisão 10 anos após a promulgação.

"Só para você ter uma ideia, mesmo que o Bolsonaro consiga reverter a crise econômica, consiga investimento suficiente no exterior para mais unidades, ele não teria como investir isso. Porque a PEC do gasto ela estabelece um teto que é o orçamento do ano anterior com a correção da inflação. Ou seja, vamos dizer que ele duplique o orçamento. Ele não vai ter como aplicar isso", opina o especialista.

Pedro Paulo Rezende recorda que a questão econômica "sempre foi o grande gargalo" para a implementação do projeto nuclear brasileiro e ele acredita que esse continuará sendo um limitador na próxima gestão.

"O grande problema que o Bento Costa vai ter que enfrentar é exatamente a falta de dinheiro para investimentos neste país, em função do teto de gastos. E para piorar a situação o ministro Paulo Guedes já disse que a prioridade é manter a PEC dos gastos e cortar gasto público. Então acho que o grande problema que os militares terão para desenvolver qualquer projeto nuclear será orçamentário", explica Rezende.

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"Esse é o tipo de problema que eu vejo. Eu vejo no governo Bolsonaro movimentos contraditórios entre desenvolvimentistas e o pessoal neoliberal", crava o especialista.

Para ele, uma pauta desenvolvimentista nos padrões militares terá dificuldades para se estabelecer dentro do governo Bolsonaro devido aos compromissos de campanha do presidente eleito com a pauta neoliberal.

"O problema todo é quem está com a mão no cofre, quem está com a chave do cofre. Quem está com a chave do cofre é um neoliberal que é contra gastos públicos — o aumento de gastos públicos — que é a favor da PEC dos gastos, entendeu? E realmente é um cara que pode travar esse crescimento", acredita Pedro Paulo Rezende.

Apesar da análise, ele tem confiança de que Angra 3 será concluída, pois já não seria mais viável economicamente que as obras sejam interrompidas.

"Eu acho que os militares vão trabalhar com restrições bastante grandes. Eu não sou assim tão otimista a respeito do peso que os militares vão ter na área econômica no governo Bolsonaro", ratifica o especialista.

"Os militares, obviamente, querem terminar o submarino nuclear"

Pedro Paulo Rezende explica que um dos interesses dos militares no setor é a conclusão de um antigo projeto de submarino nuclear brasileiro. A ideia chegou a ganhar impulso em 2008, no governo Lula, com a Estratégia Nacional de Defesa e o Programa de Desenvolvimento de Submarino com Propulsão Nuclear (Prosub), mas diminuiu o ritmo com a crise econômica e denúncias de 2016 na Operação Lava Jato.

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"Os militares, obviamente, querem terminar o submarino nuclear deles, que é um projeto antigo, é um projeto que vem desde o início da década de 1980 que até hoje não chegou ao final", aponta Rezende.

O especialista ainda comenta que o investimento no setor obteve uma série de avanços importantes para tecnologia nacional.

"Nesse período aí a Marinha obteve resultados extraordinários como o ciclo completo da produção de combustíveis, como centrífugas que estão acima de quaisquer outras que existem no mercado", ressalta ao lembrar a tecnologia brasileira de levitação que levou as centrífugas nucleares do país a serem consideradas as mais avançadas do mundo.

"Imagina o quanto isso favorece a produção de energia e o quanto isso diminui os gastos de produção. Você não tem atrito na nossa centrífuga. É um produto extremamente interessante o que a gente está fazendo, tanto na área de combustível nuclear quanto na de reator de pequeno e médio porte", observa.

Brasil, Argentina e o olhar internacional sobre a energia nuclear na região

O presidente argentino, Mauricio Macri, assinou neste ano, durante o encontro do G20, em Buenos Aires, acordos de cooperação com a Rússia para expansão do programa nuclear de seu país. Acordos semelhantes já haviam sido realizados em janeiro.

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A Argentina tem o programa nuclear com maior participação no total do consumo doméstico entre os países da América Latina, tendo 3 usinas em operação, superando Brasil e México. Apesar disso, o Brasil é o maior produtor de energia nuclear dentre os países da região.

Nos anos 1980, o desenvolvimento de energia nuclear no Brasil e na Argentina chegou a ser considerado uma corrida nuclear localizada. Os países são citados em um documento de 1980 do Departamento de Estado dos EUA, preocupados com o programa nuclear brasileiro e argentino, apontando o temor de uma "corrida armamentista" entre os dois.

Em 1988 os presidentes do Brasil, José Sarney, e da Argentina, Raul Alfonsin, acertaram os últimos detalhes de um acordo para colaboração e utilização pacífica de tecnologia nuclear. O encontro no Palácio do Planalto também contou com a presença do presidente do Uruguai, Júlio Sanguinetti e o documento assinado ficou conhecido como "Ata do Alvorada". À época Sarney enfatizou que o acordo acabava "com a versão de que existe uma corrida nuclear na América Latina".

Pedro Paulo Rezende explica que essa história não tem chance de acontecer de novo.

"Nós não temos nenhum problema com a Argentina. A Argentina é um dos poucos países que tem acesso integral às nossas instalações nucleares. Então não teremos nenhum problema com a Argentina", tranquiliza, acrescentando que "hoje em dia não tem nenhum grilo entre Brasil e Argentina nessa área nuclear".

Em 18 de dezembro deste ano, Brasil e Argentina ampliaram a parceria no setor durante a cúpula do Mercosul, assinando um acordo de cooperação nuclear empresarial.

Rezende também não vê perigo de que potências nucleares voltem seus olhares para o desenvolvimento nuclear brasileiro, tendo em vista que o programa não tem objetivos bélicos.

"Ele [o programa nuclear brasileiro] é estritamente civil, de uso civil. A gente tem que fazer uma diferenciação entre um submarino com propulsão nuclear e um submarino armado com mísseis de ataque nucleares", garante o especialista.

Ele também lembra que o Brasil é signatário de tratados internacionais de não proliferação de armas nucleares, como o Tratado de Tlatelolco, que proíbe esse tipo de desenvolvimento bélico na América Latina e no Caribe.

Rezende também lembra que o governo de Dilma Rousseff tinha intenção de construir dezenas de usinas nucleares no Brasil, o que para ele demonstra que, apesar dos entraves políticos e econômicos, o programa nuclear brasileiro é um projeto de Estado e não de governo.

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