O autoexílio de Jean Wyllys, anunciado publicamente há um mês, já estava programado mesmo antes de Jair Bolsonaro ser eleito presidente do Brasil. Alvo de ameaças, o ex-deputado vive em Berlim, na Alemanha, atualmente. A opção pela Europa se deu, segundo Wyllys, por três "motivos práticos". "Quando saí do país estava com passagens compradas para o meu recesso na Europa. Como as ameaças se intensificaram, aproveitei as férias para deixar o país. O segundo motivo foi que [os países] na América Latina têm uma proximidade muito maior com o Brasil, geográfica, e portanto a atuação de sicários e pessoas que poderiam fazer algum dano a minha vida seria muito mais fácil. Também quero dar continuidade aos meus estudos e havia um doutorado em Berlim que me interessava".
Jean Wyllys renunciou ao terceiro mandato como deputado federal e diz que não houve decepção por parte dos eleitores. "Ao contrário, todos os que entraram em contato comigo concordaram e se sentiram aliviados por eu ter tomado essa decisão. As causas às quais me dedico não precisam de um mártir, precisam de um ativista, e um ativista precisa estar vivo, livre, com saúde emocional para tocar essa agenda".
Por tempo indeterminado
O ex-deputado não dá previsão de retorno para o Brasil. Enquanto isso, considera que as investigações sobre as ameaças que sofreu seguem vítimas de uma "homofobia institucional". "Sérgio Moro assumiu faz pouco tempo. A negligência em relação às ameaças existia antes de ele ser ministro da Justiça. As instituições não investigam denúncias contra quem não goza de estima social. Discursos de figuras políticas como o atual presidente do Brasil, de autoridades religiosas como o pastor Silas Malafaia, justificam a violência contra essas pessoas e fazem com que as autoridades não façam nada. Então o descaso da Polícia Federal tem a ver mais com isso e menos com o Moro".
Sobre o ministro, Jean Wyllys questiona. "O Moro não tem muita isenção em relação a mim. Sou oposição ao governo do qual ele faz parte. Aliás, eu acho estranhíssimo que ele, que conduziu Lula à prisão sem provas, tenha aceitado o convite para ser ministro da Justiça vindo de um candidato que se beneficiou da prisão de Lula. Acho que se ele fosse um homem com algum brio deveria sentir vergonha disso e não ter aceitado esse convite. Mas enfim, brio, honestidade intelectual e competência faltam muito a esse atual governo no Brasil".
Críticas ao governo
Mesmo distante fisicamente, Jean Wyllys mantém a postura crítica às reformas propostas pelo governo. Para o ex-deputado, as medidas de Sérgio Moro para a segurança pública vão dar um "salvo-conduto para a polícia matar". "Se o pacote anticrime de Moro for aprovado, o número de homicídios praticados pelas forças de segurança e o número de policiais impunes tendem a crescer. A gente já tem no Brasil um problema de uma polícia que mata muito e uma juventude negra sendo exterminada. Esse pacote pode aprofundar isso e estender a violência policial à oposição política e aos movimentos sociais".
Com relação à reforma da Previdência, o ex-deputado acredita que poderá resultar em um "contingente de idosos miseráveis, de pedintes mesmo. Além, claro, da formação de um contingente de trabalhadores em precariedade, que vão adoecer porque seus direitos trabalhistas básicos não estão sendo garantidos".
Passagem por Portugal
A visita de Jean Wyllys a Portugal veio depois do convite feito pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, uma das mais prestigiadas do país, para que o ex-deputado palestrasse em duas conferências abertas ao público.
Durante o primeiro evento, com foco em fake news, nesta terça-feira (26), em Coimbra, Jean Wyllys quase foi atingido por ovos jogados por manifestantes contrários à presença do ex-deputado. Do lado de fora da universidade, houve confusão entre apoiadores e opositores do político que se reuniram durante um ato convocado pelo Partido Nacional Renovador (PNR), da extrema direita de Portugal.
Já nesta quarta-feira (27), em Lisboa, o político participou de uma reunião com deputados no Parlamento português. Durante o encontro, Jean Wyllys classificou a manifestação em Coimbra como resultado da influência de radicais brasileiros em Portugal.
"A extrema direita aqui é patética, caricata, inexpressiva, mas está a serviço da extrema direita brasileira. Estive em outros países e nada aconteceu, só aconteceu aqui porque, infelizmente, entre as levas de brasileiros que vieram para cá há muitos fascistas. Tomem cuidado, deputados, com a possibilidade de essas pessoas intoxicarem o lado social em Portugal".
Depois do encontro no Parlamento, Jean Wyllys seguiu para o último compromisso, o debate "Por que se exilar do Brasil hoje?". O cenário do lado de fora do local do evento repetiu os ânimos de Coimbra, mas com mais reforço policial e de segurança privada para evitar conflitos entre apoiadores e opositores do ex-deputado.
Enquanto a fila para assistir ao debate perdia-se de vista, membros do PNR, reforçados por alguns brasileiros, marcaram presença mais uma vez. "Eu não tenho nem relação com esse partido. Sou brasileira, quero que acabe com a ideologia de esquerda, o PT já acabou. O Jean veio para cá para fazer um drama. Se ele não tivesse culpa no cartório não teria saído do país. Não acredito que ele esteja ameaçado, e sim que ele está com medo de alguma coisa, e a verdade vai aparecer", disse à Sputnik Brasil a empresária Ana Teixeira, residente em Portugal há 16 anos.
Mesmo diante dos protestos, a promessa de Jean Wyllys é de que o autoexílio não será uma barreira para o ativismo político. "Eu sou um intelectual, eu penso, eu reflito sobre os fenômenos que nos afetam, eu sou escritor, minha arma é a palavra. Então essa vai ser a minha maneira de atuar internacionalmente. Eu não tenho mais mandato, e é possível, mesmo sem mandato, fazer essa política mais ampla, ser uma voz de denúncia e de defesa da democracia não só no Brasil, mas no mundo".