Em uma entrevista à Sputnik Sérvia, a cientista política e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Beatriz Bissio, comentou a atual crise na Venezuela e revelou por que as ações de Washington não tem nada a ver com a democracia e a proteção de direitos humanos.
No âmbito do 20º aniversário do ataque da OTAN contra Sérvia, Beatriz Bissio sublinhou que condena essas ações e declarou que já naquela época os EUA usaram a crise humanitária como pretexto para uma intervenção militar.
"Sabemos muito bem que administração dos EUA não está interessada em defender vidas humanas, direitos humanos, em contrário, seu único interesse são os próprios EUA", opinou a professora, lembrando os ditadores na América Latina das décadas 1960-1980 que foram "absolutamente apoiados" pelos EUA.
"[Nesses dois casos] há objetivos similares com, sem dúvidas, algumas particularidades. Uma das questões que deveríamos levar em conta quando falamos sobre a Venezuela é a importância dos jazidos de petróleo da Venezuela. Em um relatório sobre recursos naturais publicado no fim de 2018, os americanos reconheceram que a Venezuela tem recursos do petróleo mais importantes do mundo – 300 bilhões de barris significam que se trata das maiores reservas, maiores que da Arábia Saudita, Canadá e Irã", sublinhou Bissio.
"Vamos imaginar, por exemplo, que o presidente Chávez está consciente da importância de petróleo no mundo atual, nos primeiros dias do seu mandato ele criou a Petrocaribe [iniciativa que previa que os países caribenhos comprem o petróleo venezuelano em condições de pagamento preferencial], uma iniciativa de Chávez de usar petróleo como um instrumento para desenvolvimento não apenas da Venezuela, mas também da região caribenha. Sem dúvidas, no âmbito das sanções americanas e da nova realidade na Venezuela isso perdeu sua importância principal. Hoje em dia Venezuela é forçada a exportar petróleo a outros atores, não apenas aos países caribenhos e seus vizinhos, mas também à Índia, Rússia e China e assim por diante", especificou ela.
"Entretanto, os que esperam dominar e controlar a situação, como por exemplo os EUA, em relação à América Latina, sempre consideram a América Latina como um quintal, no estilo de Doutrina Monroe que, infelizmente, ainda está muito viva. Pois o petróleo é uma questão chave de entender a situação na Venezuela", explicou a especialista, sublinhando que, se se levar em conta o modo norte-americano de agir, é possível estabelecer um paralelo entre a situação na Venezuela atual e a na Iugoslávia há 20 anos.
Embora Bissio sublinhe que é difícil prever como seria possível lidar com a crise, há alguns atores cujas ações devem ser levadas em conta. "O Brasil é um deles, possivelmente o mais importante. Além dos EUA, sem dúvidas."
"Os EUA estavam tentando 'empurrar' o Brasil para a intervenção militar, pretendiam assim, vamos dizer, pôr fim à crise na Venezuela. Mas, surpreendentemente para alguns dos observadores, houve uma divisão dentro do governo de Bolsonaro." No governo de Bolsonaro há militares que estão contra que as Forças Armadas do Brasil sejam envolvidas no conflito na Venezuela. "Acredito que essa decisão foi muito surpreendente para a Administração Trump, não esperava isso."
Para a professora, outro ator importante no conflito na Venezuela é o exército venezuelano, que continua apoiando Nicolás Maduro, o presidente legítimo. Ela sublinhou que foram os militares que levaram ao fracasso do plano de transferir o poder na Venezuela ao líder da oposição Juan Guaidó.
Entretanto, Bissio sublinhou que os EUA "perderam o momento" para a intervenção militar na Venezuela. "Mas, sem dúvidas, na política nada está definido", destacou ela.
A crise se agravou na Venezuela em 23 de janeiro, quando o líder da oposição Juan Guaidó se declarou presidente interino, contestando a reeleição de Maduro no ano passado. Os EUA e alguns outros países apoiaram o movimento, reconhecendo Guaidó. A Rússia, China, México, Turquia e muitos outros países apoiam Maduro como presidente legítimo da Venezuela e pedem o diálogo para solucionar a crise.