Apesar das declarações feitas desde a campanha, Bolsonaro não chegou a realizar a mudança de embaixada prometida para Israel, de Tel-Aviv para Jerusalém. Porém, em recente visita ao país, anunciou a criação de um escritório de representação comercial do Brasil em Israel, sem status diplomático.
Uma iniciativa da ministra da Agricultura, Teresa Cristina, e da Confederação Nacional Agropecuária do Brasil (CNA) tentou diminuir a tensão do governo com o mercado árabe — que gira em torno da aproximação com os israelenses — reunindo o presidente brasileiro com dezenas de diplomatas e representantes da comunidade árabe no Brasil em um jantar em Brasília na quarta-feira (10).
Ali Houssein el-Zoghbi, vice-presidente da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras), entidade responsável pela certificação da carne halal brasileira, participou da reunião e falou sobre o assunto em entrevista à Sputnik Brasil.
"Esse jantar representou um marco importante porque ele trouxe um aceno inequívoco por parte da ministra da Agricultura e do próprio presidente de que o Brasil considera bastante importante, senão vital para sua economia, esse mercado", afirmou. A carne halal é produzida de acordo com rituais islâmicos e tem um mercado liderado mundialmente pelo Brasil.
O vice-presidente da Fambras acredita que houve uma mudança de pensamento por parte do Planalto no que tange à política externa, porém ainda espera ver ações concretas como visitas a países árabes. Bolsonaro, no entanto, não teria citado nenhum país que visitaria durante a reunião.
A esperança é de que o atual governo trabalhe para manter a evolução do comércio de carne halal brasileira, que já tem mais de quatro décadas.
Para Ali Houssein el-Zoghbi, o risco de que os mercados árabes suspendam o comércio com o Brasil caso se consolide a mudança de embaixada em Israel existe, apesar de não haver certezas sobre as consequência da mudança diplomática.
Ele explica que diversos países mundo afora poderiam substituir o Brasil neste mercado e acredita que "não vale a pena o risco".
"Qualquer iniciativa, qualquer ruído que possa prejudicar esse mercado importante para o Brasil nós temos que, realmente, afastar. E é isso que nós começamos a construir a partir desse jantar", explica o dirigente da Fambras.
Comunidade árabe deu sinais de que observa o Brasil e aguarda ações concretas
Jorge Mortean, professor de Relações Internacionais e especialista em questões do Oriente Médio, acredita que a reunião foi importante para mostrar "prudência".
"Faço uma análise de que felizmente a diplomacia brasileira demonstrou um certo tipo de prudência, não para menos, porque o setor agropecuário, [é] gigantesco — externo então nem se fala. Nossa penetração de mercado, dos nossos produtos de proteína animal, são gigantescas", afirmou.
Ele ressalta, no entanto, que a iniciativa para a reunião entre a diplomacia árabe e o Planalto não partiu da presidência. Para ele, essa é uma sinalização de que os países estão atentos aos movimentos brasileiros.
"No entanto — lendo pelas entrelinhas — nós podemos ter uma leitura de que os países árabes mandam um recado claro de que sim, eles estão presentes, eles estão atentos à nossa movimentação", apontou o especialista, ressaltando a posição da diplomacia palestina de que "o Brasil deve seguir sua trilha histórica em termos de diplomacia, priorizando pela não interferência em assuntos externos".
Para Mortean, a diplomacia brasileira, após a reunião, sinalizou que não pretende alterar sua política externa com os países árabes. Ele acredita também, que a possibilidade de visitas a países da região deve considerar o Egito e os Emirados Árabes Unidos, devido à influência política e cultural egípcia e ao papel financeiro e logístico dos Emirados Árabes.
Conversas precisam continuar
O empresário Rubens Hannun, presidente da Câmara de Comércio Árabe brasileira, entidade que reúne 22 países, também participou da reunião em Brasília com o presidente Jair Bolsonaro.
O empresário acredita que a reunião entre o presidente e embaixadores e empresários árabes foi um passo importante para abrir um diálogo que permanecia fechado.
"Conversas foram realizadas e agora o que a gente precisa é continuar com isso […] e com rapidez aproveitar essas portas abertas e estabelecer uma relação mais ativa", aponta o empresário, que se diz otimista quanto ao futuro das relações brasileiras com o mundo árabe.
Rubens Hannun não identifica nenhuma ação concreta de retaliação dos países árabes com o governo brasileiro diante da atitude do país com Israel. Ele também acredita que a abertura de um escritório comercial no país judeu não trará efeitos negativos para a relação com os árabes.
"Houve um ruído, mas não é uma coisa que abale, acho que tudo isso agora começa a ser resolvido e conversado", disse Hannun, que conclui dizendo que, apesar de não se recordar de menções durante a reunião com Bolsonaro de detalhes sobre visitas a países árabes, concorda que a ida a mercados de relevância como o Egito e os Emirados Árabes pode influenciar as relações externas de forma positiva.