Na tarde desta quinta-feira (2), os estudantes realizaram um novo protesto na frente da instituição. Com cartazes e gritos de "xenofobia não" os alunos ocuparam a entrada da faculdade. A manifestação já é a segunda realizada desde o começo da semana, quando o caso ganhou repercussão em Portugal e no Brasil. O ato foi acompanhado por dois deputados do parlamento nacional.
"Fizemos uma pergunta ao governo, em um documento por escrito entregue através da Assembleia da República, que o governo pode, e deve, responder no prazo de 30 dias. Questionamos sobre o seu papel, que é o da responsabilidade de garantir que a universidade continue democrática e antirracista. Esperamos que responda o quanto antes", afirmou à Sputnik Brasil o deputado Luís Monteiro, do Bloco de Esquerda.
Na última segunda-feira (29), integrantes de um movimento acadêmico colocaram uma caixa com pedras no hall do prédio, sinalizada com placas onde se lia "Loja de souvenirs. Grátis se for para atirar a um zuca que passou à frente no mestrado". "Zuca" vem do termo "brazuca", comumente utilizado em Portugal como referência aos brasileiros.
"Assim que vi fui logo questionar e me informaram que era uma piada. Muita gente se sentiu ofendida e com toda a razão. Realmente tinha pedras ali dentro. A gente sai de um país onde está sofrendo violência e discurso de ódio para chegar aqui na faculdade e sofrer mais violência? Foi muito chocante, porque não é o normal da faculdade, que geralmente é muito amistosa com os brasileiros. Meus colegas portugueses estão chocados, os professores também", conta à Sputnik Brasil a estudante Flora Ferreira de Almeida, autora das fotos que viralizaram nos últimos dias.
A crítica é em referência à ponderação das médias para o acesso e ao período em que as inscrições para os cursos são abertas, dois fatores que acabariam favorecendo os brasileiros na seleção. De acordo com a direção da FDUL, as candidaturas para os mestrados abrem antes do fim do ano letivo em Portugal, que só ocorre em junho, pensando em dar oportunidade para quem já concluiu uma graduação.
"Nós temos duas fases de candidaturas, a primeira das quais inicia-se normalmente em abril e que é para alunos que já estão licenciados. Os alunos que ainda estão a concluir a licenciatura só podem se candidatar naturalmente na segunda fase. De fato, na segunda fase concorreram vários brasileiros já licenciados no ano anterior. Eles concorrem com uma ponderação diferente, porque as notas no Brasil são de 0 a 10 e em Portugal são de 0 a 20. O aluno que tem um 8 no Brasil corresponde a um 16 em Portugal, mas isso não tem nenhum impacto. Não houve nenhum aluno português da faculdade que tivesse ficado excluído do mestrado, todos tiveram acesso. Na realidade, quando vemos a entrada, aparecem os nomes deles depois dos alunos brasileiros, é verdade, mas isto não tem efeito nenhum porque a nota de entrada não tem nenhuma correspondência com as notas que vão ter no mestrado", explica à Sputnik Brasil o diretor da faculdade, Prof. Dr. Pedro Martinez.
Depois de uma reunião entre a direção da FDUL, o Núcleo de Estudantes Luso-Brasileiro (NELB) e os alunos que se identificaram como autores da instalação com as pedras, foi aberto um inquérito para apurar as responsabilidades, que poderá, de acordo com o diretor Pedro Martinez, resultar na instauração de um procedimento disciplinar.
Atendendo à reivindicações dos estudantes, o NELB promete intensificar os debates sobre xenofobia no ambiente acadêmico. “A partir de hoje, o núcleo abre um tópico específico na sua ouvidoria para tratar disso e a faculdade disse que vai recepcionar imediatamente sempre que as questões forem repassadas. As pessoas às vezes passam por alguma situação e não comunicam por medo. Vai ser possível denunciar mesmo anonimamente”, explica à Sputnik Brasil o assessor de comunicação do núcleo e estudante de mestrado na faculdade, Cláudio Cardona.
Atualmente, os brasileiros representam mais de 31% dos alunos estrangeiros da Universidade de Lisboa, umas das instituições de ensino mais prestigiadas de Portugal. Na Faculdade de Direito são maioria absoluta entre os estudantes de outras nacionalidades.
No protesto desta quinta-feira, o grupo ofereceu "flores grátis" a quem passava, em uma alusão às pedras anunciadas na instalação. No comunicado, o movimento responsável afirma que não houve intenção de fazer com que "qualquer estudante se sentisse ameaçado. Nunca foi o objetivo ou sentimento, nem é a postura do Movimento nem a de qualquer membro, fazer com que os nossos colegas não se sintam bem-vindos".
Os estudantes brasileiros prometem acompanhar o caso. "Eles já fizeram esse tipo de brincadeira com africanos, muçulmanos, sempre com minorias, mas também com políticos. É um grupo muito antigo aqui dentro da faculdade, com uma sala, inclusive, onde se reúne. A gente espera que o grupo se retrate e que passe pelas sanções que a faculdade entender devidas, inclusive perdendo o espaço que tem aqui dentro da universidade", diz a aluna Flora de Almeida.