Em vídeo publicado nas redes sociais no fim da madrugada daquele dia, o autoproclamado presidente interino Juan Guaidó, junto a um dos principais líderes opositores ao governo, Leopoldo López, e de um pequeno grupo de militares, anunciou o início da fase final da Operação Liberdade. O objetivo principal do plano era derrubar Maduro da presidência, a partir da conjunção de mobilização popular e deserções maciças nas Forças Armadas.
A tentativa de golpe civil-militar de Guaidó/López até hoje intriga os que acompanham a tensa situação política do nosso vizinho. Várias dúvidas e hipóteses foram levantadas nos últimos dias sobre o acontecido. Mas, até o momento, nenhuma aparenta plausibilidade. Apesar disso, uma consideração nós temos sobre o ocorrido no dia 30 de abril: as ações das duas lideranças do partido Vontade Popular (VP) expressaram desespero e foram desprovidas de "time" político.
As intempestivas ações golpistas de Guaidó/López buscaram recolocar a oposição venezuelana no centro do debate internacional e, internamente, almejaram criar condições para a queda de Maduro, a partir da conjunção do apoio popular nas ruas e de cisões na cúpula das Forças Armadas. Porém, esse cenário não ocorreu. Há uma guerra de narrativas desde aquele dia sobre o fiasco do levante de Guaidó/Lopez. Apesar disso, algumas evidências devem ser ressaltadas: o golpe foi um completo fiasco e, mais uma vez, a oposição se dividiu, pois várias proeminentes lideranças opositoras a Maduro, como Henrique Caprilles e Júlio Borges, e importantes partidos políticos de oposição — como o Primeiro Justiça ou Um Novo Tempo — que criticaram as ações da dupla do VP, pois elas tornaram ainda mais complexa uma saída política e institucional para o labirinto político venezuelano.
Assim, a oposição de direita saiu mais uma vez derrotada. As Forças Armadas mantiveram-se fiéis a Nicolás Maduro, embora tenham ocorrido pequenas fraturas, sendo a mais expressiva a do general Manuel Ricardo Christopher Figueroa, até então diretor do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin) e que esteve diretamente envolvido na ação de libertação de Leopoldo López da prisão domiciliar junto com outros membros daquele órgão.
As manifestações do 1º de maio demonstraram que a população se mantém dividida. Expressivos atos favoráveis ao governo e à oposição ocorreram em Caracas. Sobre esse aspecto, é necessária uma reflexão. Embora Maduro tenha assumido traços nitidamente autoritários desde 2017, há base social em seu entorno. Ele se sustenta no poder não apenas pelo controle das instituições e pelo apoio das Forças Armadas.
A oposição de direita, por outro lado, como em diversas outras ocasiões nos últimos 20 anos, erra ao optar pelo golpe. Desde o movimento La Salida de fevereiro de 2014, que culminou com a prisão de Leopoldo López, todas as movimentações golpistas da oposição serviram para que Nicolás Maduro fortalecesse a retórica anti-imperialista, que serve como um importante mobilizador das bases do PSUV, ampliasse as prisões dos opositores políticos, a supressão das liberdades democráticas e as atitudes inconstitucionais.
Nos últimos dias, as bases psuvistas foram mobilizadas pelas retóricas anti-imperialista e antigolpista, que ganharam ainda mais materialidade pelas declarações de membros do governo de Donald Trump, que em variados momentos abertamente cogitaram a possibilidade de uma intervenção militar em nosso vizinho. Inclusive, essa hipótese foi reafirmada por Juan Guaidó, que abertamente aventou a possibilidade da Assembleia Nacional requerer a intervenção das Forças Armadas.
"Meu papel é levar este país a uma transição democrática com o menor custo social. Está na agenda, claro, como sempre esteve. Intervenção militar já temos dos russos e dos cubanos. O que poderemos eventualmente solicitar é a cooperação internacional militar. Mas para que isso aconteça precisamos ter países que queiram cooperar […] É a opção mais dura de todas e a que ninguém gostaria de adotar. Mas deve ser avaliada como todas, como uma marcha a Miraflores", afirmou Guaidó em entrevista ao Globo.
A construção argumentativa de Guaidó para cogitar a possibilidade de uma ação militar estrangeira na Venezuela tem similaridades com a utilizada na Síria e na Líbia em 2011 pelos grupos opositores a Bashar Assad e Muammar Kadhafi, respectivamente. Hoje, o mundo conhece as consequências humanitárias, econômicas e militares das guerras civis naquelas nações. Por isso, ressaltamos a necessidade do Brasil e dos demais países sul-americanos em rechaçarem veemente a possibilidade de uma ação militar contra o governo de Maduro.
Caso o diálogo entre governo e oposição não seja articulado pela comunidade internacional, o impasse político do nosso vizinho se perpetuará e a crise socioeconômica se aprofundará. Com isso, a já crítica situação humanitária de nosso vizinho, expressa nos aproximadamente três milhões de migrantes desde 2015, se tornará ainda mais intensa e exigirá amplos esforços internacionais para a sua resolução.
Em razão disso, presumimos que a solução para o impasse político venezuelano não se dará com armas, mas com democracia. Governo e oposição possuem consistentes apoios internos e devem negociar. De certa forma, a resolução do Grupo de Lima de 03 de maio de 2019, que decidiu convidar Cuba e o Grupo de Contato Internacional (GCI) para a articulação de uma solução negociada para a crise, demonstra que a diplomacia ainda impera na solução do impasse venezuelano, isolando, por hora, os mais extremistas.
O "mecanismo de Montevidéu", articulado pelos membros do GCI e que foi proposto em fevereiro por Uruguai e México, apresenta, em nosso entendimento, a melhor solução para a crise. Essa proposta se baseia nas negociações entre governo e oposições sem "pré-condições", rechaça veementemente a possibilidade de uma intervenção militar e defende a soberania popular e a autodeterminação dos venezuelanos como os únicos caminhos para a resolução da profunda tensão política da Venezuela.
O texto foi escrito para a Sputnik Brasil por Rafael Araujo, que é professor adjunto de história da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), autor do livro "A História do Tempo Presente Venezuelana de 1950 ao século XXI", e organizador, em parceria com Karl Schurster (UPE), do livro "A Era Chávez e a Venezuela no Tempo Presente".
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