O mês de junho em Lisboa tem cheiro de sardinha assada. O peixe, além de ser um histórico símbolo nacional português, faz parte da tradição das festas que celebram os santos populares. Preparadas na hora, assadas na brasa alta, as sardinhas, em geral, são acompanhadas apenas por fatias de pão. E não é preciso mais do que isso para se deliciar.
Por trás de cada churrasqueira há suor e muito trabalho, que começa bem antes das festas. Para garantir sardinha suficiente para milhares de pessoas que circulam nos arraiais de Lisboa todas as noites, dona Maria "Xuxa" do Carmo vai aos fornecedores logo no primeiro dia do mês. Isso porque "nesta altura é sempre sardinha congelada, não há fresca em lado nenhum", explica a vendedora à Sputnik Brasil.
Xuxa é uma das vendedoras mais populares da Mouraria, área do centro histórico de Lisboa. Está na atividade há 40 anos e vende até 100 quilos de sardinha assada em dia de festa. Se o peixe fosse fresco, a rotina teria certo alívio. "É mais trabalhoso hoje um bocado, porque tem que se descongelar tudo para o peixe não partir", conta Xuxa.
De acordo com o relatório de 2018 do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) sobre o estado dos recursos pesqueiros nacionais, desde 2006 que a população de sardinhas com um ano de idade ou mais tem diminuído. O Conselho Internacional para a Exploração do Mar (ICES, na sigla em inglês) recomendou que em 2019 não houvesse captura de sardinhas na região. O limite acabou sendo definido entre Portugal, Espanha e a Comissão Europeia. Inicialmente, a proposta de Bruxelas era para um máximo de 10.300 toneladas.
"Com os dados de que dispomos neste momento, pensamos que as 10.799 toneladas fazem um equilíbrio entre o estado do recurso e o reforço da pesca", declarou o secretário de Estado das Pescas de Portugal, José Apolinário, em entrevista dias antes do fim do defeso.
A quantidade final desagrada os pescadores. "É um número insuficiente para atender à necessidade. Foram oito meses de paralisação. Tivemos apenas dois meses de subsídio, no valor de 1.920 ou 1.910 euros por mês, por aí. Se estamos parados durante oito meses e só recebemos dois de apoio isso não vai suprir as nossas necessidades", explica à Sputnik Brasil Mário Galhardo, presidente da Barlapescas, cooperativa de pescadores do Algarve, região sul de Portugal.
Mário Galhardo explica que o fator ambiental não fica esquecido. "Também somos defensores de uma paragem biológica. Na altura que a sardinha está a desovar sempre fazemos essa parada, e já há alguns anos, mas quando chegar a próxima proibição não sabemos quando vamos poder voltar a pescar."
Para Galhardo, os governos e a Comissão Europeia também precisam levar em conta as especificidades regionais na hora das negociações. "Aqui na costa do Algarve nós temos muitas sardinhas e os limites são muito pequenos. Todos os dias os barcos vêm com a cota diária atingida. Os números têm que ser revistos. No lugar de podermos pescar até agosto ou setembro, que pudéssemos chegar a outubro ou novembro para estarmos menos tempo parados", afirma o presidente da cooperativa.
As discussões não param no máximo permitido para a pesca, mas também no lucro. Pescador desde a infância, Luís Farinha critica a disparidade existente entre o preço inicial do peixe e o praticado no comércio. "A única proposta que eu, como pescador, faria era a de aumentar o valor do pescado. Colocamos o peixe nos portos para leilão baratíssimo. Ainda hoje vi uma notícia que a sardinha estava a 80 cêntimos o quilo. No supermercado sai a seis euros. O intermediário é que lucra, o pescador não, e é quem tem o trabalho de levantar cedo, enfrentar as ondas, o frio. Não compensa para pagar diesel, pagar tripulantes. No fundo, com os descontos em si, sobra pouco dinheiro com as despesas que temos", analisa Luís Farinha.
Para o pescador, a regulamentação dos preços seria um ponto a mais para a conservação da espécie.
"Se não houvesse essa disparidade já não haveria tanta necessidade de capturarmos mais. Se tivéssemos a sardinha no mínimo a quatro euros, em vez de capturar seis toneladas bastava uma tonelada. Eles compram a sardinha a baixo preço e temos que capturar mais para fazer face às despesas. O que vai acontecer é que vai haver menos sustentabilidade, menos peixe", diz Luís Farinha.
O governo português aguarda, agora, análises de cruzeiros científicos realizados em maio, que vão apontar a situação atual do estoque de sardinha. Existe a possibilidade de o limite para a pesca ser aumentado caso as análises indiquem aumento na população de sardinhas. Os resultados devem sair ainda neste mês. Até lá, as festas populares seguem espalhadas pelo país, com programação todos os dias. A torcida da vendedora Xuxa é para que homem e natureza se entendam. Fresca ou congelada, "sardinha aqui é que não pode faltar".