Foram tornadas públicas evidências de existir uma prisão ucraniana escondida no aeroporto de Mariupol, pertencente ao regimento Azov (organização paramilitar criada em 2014, ligada ao Ministério do Interior da Ucrânia) e sob a proteção tácita do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU).
Em março deste ano, um ex-agente do SBU, Vasiliy Prozorov apresentou fotografias em uma coletiva de imprensa que decorreu em Moscou, que provam a existência de uma prisão não oficial nesse local.
De acordo com ele, a prisão foi criada em um dos terminais do aeroporto e, só durante o verão e outono de 2014, mais de 300 pessoas teriam passado por ela. Durante este tempo, duas pessoas acabaram por falecer na prisão, afirmou Prozorov.
A Sputnik conversou com alguns detidos e funcionários da prisão. As evidências são apoiadas por materiais em vídeo, e também por declarações médicas emitidas tanto pela Ucrânia como pela autoproclamada República de Donetsk.
Para além disso, a existência de uma prisão secreta foi confirmada pela missão da ONU que efetua o monitoramento da observação dos direitos humanos na Ucrânia.
A história de Olga Seletskaya
Uma das prisioneiras desta cadeia era Olga Seletskaya, moradora da cidade de Mariupol, que participou em manifestações com apoiantes da federalização da Ucrânia.
Ela foi detida no dia 29 de agosto de 2014 por combatentes do regimento Azov, entre eles estava um carcereiro encapuzado, que ela reconheceu agora na fotografia apresentada por Prozorov.
"Eu vi a camiseta dele e a carteira de homem que tinha. Ele depois ficou mais tranquilo, tirou [o capuz], e eu vi que ele tinha cabelo ruivo. Ele participou da minha detenção e estava muito contente", contou a mulher à Sputnik.
Ela também reconheceu Prozorov, confirmando que ele estava presente durante os interrogatórios como oficial do Serviço de Segurança da Ucrânia.
Para além disso, com base nas fotografias demonstradas por Prozorov, ela reconheceu mais três dos presos.
Um elefante – um dia
Outra reclusa conta a sua história terrível vivida na prisão secreta controlada pelo regimento ucraniano Azov.
"Quando eu vi na televisão as fotos desse corredor [mostrado por Prozorov], eu fiquei toda arrepiada. Estas portas de plástico... eu estava sentada sussurrando: "Mãe, é a minha cela de prisão", recorda Tatiana Ganzha habitante de Mariupol.
"O corredor tinha muita luz, havia muitas portas de plástico. Eu percebi, que era a geladeira... um lugar assustador," continua ela.
Tatiana Ganzha passou dez dias no aeroporto de Mariupol, e nunca tinha pensado que algum dia ela iria ver a sua prisão de outra perspetiva e ainda por cima na televisão.
Ela fazia parte do atualmente proibido Partido Comunista da Ucrânia, participou em manifestações na cidade de Mariupol e também no referendo no dia 11 de maio sobre o futuro da região de Donetsk. Em outubro de 2014, foi detida pelo regimento Azov, ela não tinha a menor ideia que estava na lista negra como temível separatista.
"Passei no aeroporto exatamente 10 dias, de 30 de outubro até a noite de 8 de novembro, há entalhes na parede de uma das celas", recorda ela.
Para não enlouquecer completamente e não perder a noção do tempo, os reclusos faziam traços na parede, marcando assim os dias passados na cela.
Tatiana reparou em sete ou oito pequenos elefantes gravados na parede, teria sido desta maneira que uma pessoa com dotes artísticos contava os dias passados na prisão.
Tudo o que aconteceu nessa prisão Tatiana Ganzha descreve como "verdadeiro inferno, lugar de morte".
"Não consigo expressar todo o horror vivido. Tinha o nariz partido, estava surda do ouvido esquerdo. É realmente muito difícil estar a relembrar tudo isso. Não vou contar tudo... Um rapaz, membro do regimento, que me escoltava ao banheiro, me contou que "dois dias antes, uma moça tinha sido espancada ali até à morte, ela também se chamava Tatiana", recorda ela.
Os torturadores sempre ameaçavam Tatiana com uma cova ou fosso onde colocavam os cadáveres das vítimas. Insinuavam que em breve faria parte delas, ou então ameaçavam com tortura psicológica, quando um recluso era colocado com os mortos.
"Do que eu percebi das conversas, existe lá um fosso coberto com cal", acrescenta Tatiana.
Só no dia 8 de novembro ela foi levada ao Serviço de Segurança da Ucrânia, para investigação. Foi libertada durante a troca de reclusos entre a Ucrânia e a República de Donetsk em 26 de dezembro de 2014.
A partir desta altura ela vive em Donetsk em um dos abrigos para refugiados provenientes do território ucraniano. A casa dela em Mariupol foi saqueada pelo regimento Azov.
Missão de monitoramento da ONU na Ucrânia documentou 16 casos de violação de direitos humanos.
Todos os acontecimentos no aeroporto de Mariupol, e em outras prisões secretas ucranianas (e nas repúblicas autoproclamadas), sempre estiveram no centro das atenções da missão da ONU para o monitoramento do respeito pelos direitos humanos na Ucrânia e foram registrados nos relatórios.
Segundo as declarações de Fiona Frazer, chefe da missão de monitoramento da ONU na Ucrânia, em cinco anos "foram registrados centenas de casos de detenção arbitrária e/ou privação de liberdade sem contatos com o mundo exterior[…]".