Torturas assombrosas e pessoas sequestradas: que escondem prisões secretas da Ucrânia?

© Sputnik / Yevgeny Kotenko / Acessar o banco de imagensMembros da unidade neonazista ucraniana Azov
Membros da unidade neonazista ucraniana Azov  - Sputnik Brasil
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Agência Sputnik continua publicando materiais exclusivos sobre as prisões secretas que tem o Serviço de Segurança Ucraniano (SBU) ao longo de toda a linha de contato com as autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, onde as pessoas sequestradas sofrem torturas terríveis.

A Sputnik conseguiu encontrar um ex-funcionário do Ministério do Interior da Ucrânia, que coordenava a detenção de "separatistas" nos postos de controle das repúblicas autoproclamadas, e falou com ex-prisioneiros.

Sequestros de civis

Em meados de agosto de 2014, os combates das milícias da República Popular de Donetsk contra as forças de segurança ucranianas aproximaram-se da cidade de Ienakievo. Os habitantes locais começaram a abandonar a zona de combates.

Konstantin Afonchenko decidiu ir para Odessa, onde sua filha estava sendo tratada no hospital e sua esposa estava com ela. A viagem terminou logo no primeiro posto de controle ucraniano.

Alguns dos "nazik" (como são chamados os efetivos da Guarda Nacional da Ucrânia na região de Donbass) começaram a revistar o telefone de Afonchenko. No início dos contatos, na letra "A", encontraram um "Andrei", jornalista de um canal de televisão russo. Afonchenko o conheceu por acaso durante uns protestos em maio.

© Sputnik / Sergei AverinMiliciano da República Popular de Donetsk na cidade de Enakievo
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Miliciano da República Popular de Donetsk na cidade de Enakievo

"Bem, sim, fui aos protestos. E quem não ía? Todo o país estava envolvido em comícios já havia um ano. Eu não era nenhum separatista, nem sequer sei o que isso é", diz ele.

Os "nazik" o espancaram e levaram para o aeródromo da vizinha cidade de Kramatorsk. Tudo o que era valioso lhe foi retirado. Eles anunciaram que todo o dinheiro, objetos de valor e o computador passavam para o fundo do exército, recorda Afonchenko.

Chegada à prisão secreta

Em Kramatorsk começaram as torturas, vieram "médicos" e o injetaram com substâncias para soltar sua língua.

"Senti-me mal, ele avisou: 'Diz a verdade, porque pode haver um resultado letal. Vou dar outra injeção. Vai aliviar.' Mas eu me sentia mesmo mal. O que é então, Kennedy? Posso dizer que matei o Kennedy. O que querem?", recorda Afonchenko.

mais tarde ele identificou seus torturadores, que eram os ativistas de Maidan (ciclo de protestos centrados em torno da praça Maidan, em Kiev, no final de 2013 e início de 2014 contra o governo oficial) Vsevolod Stebliuk e o futuro deputado do parlamento ucraniano Andrei Teteruk, a partir de suas fotografias. O "médico" o impressionou particularmente – parecia um louco de um filme de terror.

Outras vítimas

Outra vítima, Alla Belousova, também foi resgatada de Ienakievo e foi capturada pelos "nazik" junto com seu marido Vladimir.
Belousova tinha, de fato, algo a ver com as repúblicas autoproclamadas – levava alimentos para a cidade sitiada de Slaviansk.

Os elementos das forças de segurança no posto de controlo descobriram isso rapidamente, e depois encontraram um documento de Alla assinado por Igor Strelkov (primeiro ministro da Defesa da República Popular de Donetsk), a milícia deu a esta mulher o apelido jocoso de Marechal devido a sua personalidade combativa.

O documento lhe prestou um mau serviço – ela e seu marido começaram a ser espancados, os levaram para Kramatorsk e tentaram organizar um estupro abominável. Mas depois essa identificação salvou sua vida – muitos prisioneiros eram levados para campos minados ou usados como alvos de treinamento de tiro, mas a valiosa Marechal foi deixada para troca.

"Trouxeram o meu marido e começaram simplesmente a matá-lo à minha frente. Eu digo-lhes para não lhe tocarem. Porque sou assim, posso sobreviver em qualquer situação, mas ele é fraco. Ele é mais velho que eu, em primeiro lugar, e psicologicamente é mais fraco que eu", explica Alla.

Sofrimentos extremos

"Em Kramatorsk havia uma base militar, as pessoas eram treinadas para operações de combate. Ele [o militar] devia ficar realmente preparado para matar alguém. Isso significa que eles precisavam de alvos vivos. Assim era o cinismo dessa abordagem, quando ele [o carcereiro] entra [na cela] e diz a todos que precisa de um alvo vivo. Há voluntários?”, testemunha Afonchenko.

Também se divertiam a mandar o prisioneiro para um campo minado. Também quiseram enviar a Marechal Alla para as minas, mas no último momento mudaram de ideias – um prisioneiro tão importante poderia ser trocado por um oficial ucraniano, ou mesmo dois.

Nem Afonchenko nem os Belousov foram sequer alvo de processo criminal. Ficaram detidos ilegalmente durante um mês e, em meados de setembro, foram trocados por militares capturados pela República Popular de Donetsk.

Depois de sua libertação, Afonchenko descobriu que seu cartão bancário estava zerado. Depois de entrar no banco online, ele descobriu que algum dos carcereiros esteve comprando gasolina e café em postos de gasolina.

'Martelo da verdade'

Outra prisão secreta ainda funciona na cidade de Pokrovsk. Isso foi revelado pelo ex-prisioneiro Sergei Babich à Sputnik. Ele trabalhou na mina local e todos os dias úteis ele passava por esta empresa de transporte em seu ônibus de serviço e não sabia que iria passar lá seis dias horríveis.

"O edifício é grande, está à parte dos outros. Há muitos porões, ninguém ouve nada", explica ele por que os elementos de segurança escolheram este lugar.

Sergei Babich foi detido com seu companheiro em 25 de março de 2015 em um posto de controle perto de Krasnoarmeysk, alegadamente como um grupo subversivo que deveria matar um certo militar ucraniano.

"Não foi uma detenção, mas um sequestro. Eu já fui torturado na cave da empresa de transporte 11-411. Fui espancado com um martelo de madeira – um malho. Chamavam-lhe "o martelo da verdade". Eles usavam armas de choques elétricos, um saco na cabeça para sufocar", lembra Babich.

Ele supõe que foi torturado por agentes do SBU (eles não se apresentaram nem mostraram suas carteiras de identidade). "Eram fortes, bem treinados, com máscaras. Faziam tudo de maneira técnica e profissional", descreve Babich os seus torturadores.

Apenas no fim da tarde de 31 de março ele foi levado para o departamento de investigação do Serviço de Segurança da Ucrânia em Mariupol que sua detenção fosse registrada oficialmente. Os médicos do centro de detenção preventiva de Mariupol registraram os numerosos hematomas no corpo de Babich no relatório de medicina legal de 3 de abril.

"Eles queriam se precaver – se eu morresse no centro de detenção preventiva em um ou dois dias, ou três, isso seria culpa do SBU e não do centro de detenção preventiva", explica ele.

O processo foi levado ao tribunal em 2017. Ele foi acusado de criação de um grupo terrorista e de uso ilegal de armas. Em dezembro de 2017, Babich foi transferido para Donetsk no âmbito da troca de prisioneiros. No entanto, contrariamente a todos os acordos, o processo não foi encerrado e as acusações não foram retiradas.

Prisões numerosas

"Nós sabemos da existência de mais de uma prisão como esta. Desde 2014, temos recebido ‘chamadinhas’ que existe uma prisão secreta em um lugar, outra em outro... Conhecemos este problema há muito tempo", confirmou à Sputnik a ouvidora de Direitos Humanos da autoproclamada república de Donetsk, Darya Morozova.

© Foto / Vasily ProzorovCorredor da prisão na área do aeroporto de Mariupol
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Corredor da prisão na área do aeroporto de Mariupol

Segundo Morozova, estas prisões são controladas pelo SBU, que as utiliza para exercer pressão sobre os suspeitos. Só podemos adivinhar quantas pessoas estarão presas lá.

"Em 2014-2015, eu ainda podia acreditar que aí se exercia arbitrariedade dos batalhões [de voluntários]. Neste momento, tenho todas as condições para acreditar que o SBU controla totalmente todos estes locais de detenção ilegais... Eles sabem perfeitamente onde estão esses lugares", disse Morozova.

Segundo Morozova, eles estão procurando por 249 pessoas sobre as quais tiveram confirmação exata de que foram detidas no território da Ucrânia", afirmou a ouvidora. A Ucrânia confirma oficialmente apenas 101 pessoas.

Missão da ONU

Os relatórios da Missão de Monitoramento dos Direitos Humanos da ONU na Ucrânia também mencionam a privação ilegal de liberdade, em particular no SBU de Kharkov.

"Determinamos os nomes de 184 pessoas que, na nossa opinião, foram detidas ilegalmente nas instalações do SBU em Kharkov em 2014-2016. Esta lista continua aumentando", disse à Sputnik Fiona Frazer, chefe da missão.

Segundo ela, "a prática da detenção arbitrária ou incomunicável era comum na área controlada pelo governo em 2014, 2015 e 2016, enquanto em 2017 e 2018 nós registramos apenas alguns casos”. A prisão do SBU em Kharkov chamou a atenção das organizações internacionais, em particular da Anistia Internacional.

'Você não existe'

"Este é o nosso estudo de 2016. Então nós publicamos uma pesquisa intitulada "Você não existe", onde relatamos que existem locais de detenção especiais para manter as pessoas sem comunicação com o mundo exterior", disse à Sputnik Maria Guryeva, representante da organização na Ucrânia.

Um deles, segundo ela, ficava em Kharkov, e também foram registrados certos lugares em Mariupol e em outras cidades, mas o principal era o departamento do SBU em Kharkiv, onde as pessoas declararam que ficaram lá por mais de um ano. Agora estão decorrendo dois processos judiciais e a organização também irá estudar os novos dados descobertos pela Sputnik.

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