A divulgação do Índice de Atividade Econômica (IBC-Br) pelo Banco Central no dia 12 de agosto apontou o segundo semestre consecutivo de recuo na economia. O IBC-Br teve recuo de 0,13% no 1º trimestre e aponta recuo de 0,2% no 2º. A queda consecutiva constitui o que economistas chamam de 'recessão técnica', quando a economia recua dois trimestres seguidos.
A situação ainda será confirmada pelo IBGE, que divulgará os números oficiais do PIB no dia 29 de agosto. Apesar disso, nem sempre os IBC-Br é confirmado nos números oficiais do PIB. No primeiro trimestre do ano, por exemplo, o índice acertou ao apontar queda na economia mas errou no tamanho do recuo.
O índice é utilizado pelo Banco Central no cálculo da taxa básica de juros, a SELIC, e tem métodos diferentes do cálculo do PIB. O órgão que determina taxa básica, o COPOM, tem reconhecido "alta ociosidade na produção", mas fala em recuperação gradual.
Para Márcio Pochmann, o quadro era esperado. O economista afirma que apenas aqueles que acreditavam no que chamou de "receituário neoliberal", acreditavam que o Brasil poderia ter algum crescimento.
"Nós estamos em uma experiência inédita no Brasil. Pelo menos desde que aqui o capitalismo se tornou o modo de produção dominante [...] nunca tivemos um período tão longo sem crescimento, sem dinamismo", diz o economista da UNICAMP e da Fundação Perseu Abramo em entrevista à Sputnik Brasil.
Pochmann acredita que há no Brasil um problema de dinamismo econômico e lembra que o país tem hoje uma economia 5% menor do que em 2014 – apesar do aumento da concentração de renda.
"As iniciativas de recuperação dessa gravíssima recessão se mostraram, na verdade, frustradas. O que nós tivemos de crescimento - dito 1% - nos dois últimos anos, 2017 e 2018, são absolutamente insuficientes para apontar uma perspectiva de recuperação", analisa.
Armadilha recessiva beneficia ricos com receita equivocada, diz economista
"Estamos, em nosso modo de ver, incrustados em uma espécie de armadilha recessiva, uma armadilha que tem sido muito favorável aos ricos, diga-se de passagem, porque é uma condição em que a renda não cresce, a economia não cresce, mas a riqueza aumenta", constata o economista da UNICAMP.
Dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), mostram que a pobreza e a desigualdade no Brasil têm crescido. O relatório "A Escalada da Desigualdade", aponta os últimos 4 anos como o período mais grave em termos de aumento da desigualdade no país.
Anestesia social frente à banalização do sofrimento humano no desemprego, pobreza e desigualdade, coroada ainda mais com a violência da morte, agora legitimada enquanto nova política pública do Estado policial.
— Marcio Pochmann (@MarcioPochmann) August 21, 2019
Pochmann afirma que há uma disparidade entre os ganhos financeiros no Brasil e o real crescimento da economia. Para o economista, isso acontece através de um programa de transferência de capital que é o responsável pelo aumento da desigualdade.
"Isso está sendo viabilizado por um programa que faz com que a luta de classes seja deslocada para o interior do fundo público", aponta.
O professor explica que o "programa de austeridade fiscal e ajustes" tem sido responsável por isso. Uma vez que não há aumento na economia, mas está ocorrendo uma concentração sobre o que está sendo produzido. Daí, o aumento da desigualdade.
"Nós estamos caminhando em uma trajetória cuja crença neoliberal é de que a razão da ausência de crescimento do país é de que nós temos um problema central que é o Estado. Então o que tem sido feito? Reduzir o Estado. De que maneira? Reduzindo o tamanho do orçamento público", explica.
Nesse movimento econômico, diz Pochmann, se desloca o que era capital público para as mãos da iniciativa privada, o que, segundo o economista, contribui para a concentração de renda.
"Outra atividade é viabilizar que funções exercidas pelo Estado, pelo setor público, sejam exercidas pelo setor privado. Nesse movimento não há aumento de renda, na verdade você tem um deslocamento. Se a renda gerada não aumentou, mas a renda gerada ficava com o setor público, agora fica com o setor privado", aponta.
Pochamnn se refere ao regime de privatizações de empresas estatais, como no caso da BR Distribuidora ou das 17 empresas que o governo do presidente Jair Bolsonaro (PS) pretende vender como parte de seu plano de privatizações. Para o economista, essa fórmula não tem se traduzido em investimentos privados.
A economia brasileira que não cresce, somente os ganhos financeiros fundamentalmente, consolida novos oligarcas a monopolizar parte crescente da riqueza e do poder, pois contam com a mídia comercial para ocultar suas ações e solidificar o seu domínio.
— Marcio Pochmann (@MarcioPochmann) August 21, 2019
"Nós temos uma diminuição inequívoca do Estado na economia brasileira e o setor privado não reage", diz.
"Nesse quadro de paralisia que não é de um ano, são 5 anos, o que você tem na verdade é que uma parte dos ricos se moldou à realidade e está convivendo muito bem. Então também há resistência de parte deles de sair dessa situação", aponta Pochmann, que enxerga que esse grupo está se beneficiando da crise.
Empregos de baixa qualidade podem crescer ligados à concentração de renda
O economista aponta a possibilidade de que haja diminuição do desemprego no Brasil, porém com expansão da pobreza. Pochmann explica que essa pode ser uma consequência das medidas da chamada reforma trabalhista e também da medida provisória da liberdade econômica, que flexibilizaram regras de contrato.
"As medidas que foram tomadas em termos da reforma trabalhista e da MP 881 vão fazer com que pessoas sejam identificadas pelo IBGE como ocupadas, embora sem ter empregos, havendo sinais já de aumento do trabalho intermitente", aponta. Os dados mais recentes do IBGE mostram que o desemprego no Brasil está em 12%, porém mostram aumento da subocupação - pessoas que gostariam de trabalhar mais.
Das 310 operações de aquisição de empresas nacionais por estrangeiras entre 2009 e 2018, 44% foram de responsabilidade do capital sediado na Europa e 32,8% nos EUA, sem que isso ajudasse no saldo do comércio externo que ficou negativo entre 2010 e 2015, anteriormente positivo.
— Marcio Pochmann (@MarcioPochmann) August 20, 2019
O professor acrescenta que isso acontece porque o desempregado só é apontado como tal se ele realiza trabalhos inferiores a menos de duas horas por semana.
"Por outro lado tem empregos que crescem que são empregos que dependem da renda dos ricos. Que empregos são esses? São empregos de serviços. Vai crescer o número de motoristas, seguranças, passeador de cachorro, limpador de piscina [...]. É um emprego que até cresce, mas é um emprego não vinculado à atividade econômica, mas sim à concentração da renda".