O físico Ildeu de Castro Moreira é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O presidente da SBPC aponta para o próximo ano uma perspectiva mais negativa do que a posta ao longo de 2019.
"Nós estamos muito preocupados com o orçamento do ano que vem. E os cortes se desenham piores ainda", disse o presidente da SBPC em entrevista à Sputnik Brasil.
A preocupação do cientista se baseia no Projeto de Lei Orçamentária Anual 2020, que já circula no Congresso. A PLOA 2020 impõe ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) a queda de 22,53% no Orçamento Geral da pasta, que terá R$ 11,8 bilhões para trabalhar em 2020. Excluídas as despesas obrigatórias, a Reserva de Contingência e serviços da Dívida Pública, o decréscimo no orçamento do MCTIC é de 38%, com apenas R$ 3,5 bilhões para aportes gerais nos programas e unidades.
Pressão no Congresso para evitar 'tiro no pé'
Aravés da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, integra a Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento, que articula cientistas brasileiros para buscar verbas. A iniciativa é coordenada por 8 entidades, que incluem, entre outras, a SBPC e a Academia Brasileira de Ciências (ABC). Essas entidades coordenadoras lideram centenas de grupos menores que têm realizado atividades em Brasília e programam para o dia 25 de setembro a "Marcha pela Ciência no Congresso", reivindicando investimentos.
O governo de Jair Bolsonaro defende menos aportes públicos na educação e supõe que as universidades devam buscar investimentos de forma autônoma. Essa visão, para o presidente da SBPC, não se sustenta, pois a Emenda Consttiucional nº 95 - conhecida como Teto de Gastos - impede que as universidades usem a totalidade desse tipo de recurso.
"Esse discurso está inconsistente. Ao mesmo tempo que aponta que é importante as universidades buscarem recursos, os próprios recursos que já têm nas universidade não podem ser usados", diz.
Como solução, a SBPC tem apoiado a PEC 24/19, da deputada Luisa Canziani (PTB-PR), que retira esse limite das universidades. Além disso, apoia projetos de lei que garantem para a Ciência, Tecnologia e Inovação, 25% do Fundo Social do Pré-Sal. É o caso do PL 5.876/16, dos deputados Celso Pansera (PT-RJ) e Bruna Furlan (PSDB-SP), e também do PLS 181/16, do senador Lasier Martins (Podemos-RS).
"A gente está com as três agências principais agências de fomento nacionais à Ciência e Tecnologia no Brasil com recursos drasticamente cortados para o ano que vem. A gente diz que é uma situação muito séria e catastrófica e é verdade", diz o físico.
Para o cientista Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP), um dos mais pesquisadores brasileiros mais citados no exterior, essa situação coloca em perigo a formação de pesquisadores, mas também de profissionais de outras áreas. Ele explica que no Brasil, em geral, quem investe em formação "são as universidades públicas através de bolsas de pesquisa".
"Um economista vai se aperfeiçoar fazendo um mestrado, mas se ele não tiver uma bolsa da Capes e do CNPq, obviamente seu aperfeiçoamento fica comprometido. Então, isso compromete, na verdade, toda a formação de pessoal especializado no Brasil, em todas as áreas [...]. É um tiro no pé que vai prejudicar e muito o nosso país", afirma Paulo Artaxo.
'A área econômica é a mais monolítica'
Ildeu de Castro Moreira afirma que é no Ministério da Economia, liderado por Paulo Guedes, onde há mais dificuldades para a garantia de investimentos.
"A área econômica é a mais monolítica. O Ministério da Ciência e Tecnologia está se empenhando no sentido dessa recuperação mas bate na barreira da economia, que tem uma visão econômica estreita que acha que Ciência e Tecnologia parece que não precisa para o país", afirma.
Outra das preocupações do cientista é o impacto internacional que pode sofrer o prestígio da ciência brasileira mundo afora com a sequência de cortes.
"Impacta muito negativamente. Inclusive as revistas maiores e mais importantes do meio acadêmico científico mundial, tipo Science e Nature, tem trazido matéria várias vezes este ano e no ano passado apontando esse quadro dramático de cortes na ciência brasileira", explica.
Para Ildeu, o que se apresenta, caso nada seja transformado, é um cenário de destruição de um longo período de investimentos de recursos do povo brasileiro.
"Do jeito que estão fazendo, cortando drasticamente os recursos está ameaçando severamente o sistema nacional de ciência e tecnologia que foi construído ao longo de décadas com recursos públicos do povo brasileiro e que cresceu. Claro que pode ser melhorado, claro que pode ser aprimorado, mas não pode ser destruído", conclui.