No início de setembro, Rússia e Ucrânia se enfrentaram no Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), em Estrasburgo (França). O Kremlin considerou o caso sem "conteúdo jurídico" e acusou Kiev de desperdiçar o tempo do tribunal.
O vice-ministro russo da Justiça, Mikhail Galperin, juntamente com o advogado e conselheiro real Michael Swainston, do Reino Unido, foram acrescentados ao site Mirotvorets (Pacificador) - uma famosa base de dados lançada por "ativistas" ucranianos com o apoio do governo no final de 2014 e encarregada de enumerar os "inimigos da Ucrânia" e revelar as suas informações pessoais.
Galperin foi adicionado à base de dados depois de ter refutado as declarações da Ucrânia sobre alegadas violações dos direitos humanos na Crimeia por parte da Rússia no TEDH.
O caso, apresentado ao tribunal por Kiev em 2014, pediu ao TEDH que se pronunciasse sobre uma série de questões, entre elas se a Rússia tinha ou não "controlado" a Crimeia no final de fevereiro de 2014, antes do referendo de 16 de março de 2014.
O voto popular, realizado na sequência do golpe de Maidan (golpe de Estado ucraniano na Praça de Maidan) em Kiev, em fevereiro de 2014, que derrubou o governo eleito do país e assistiu à ascensão de elementos nacionalistas, viu a população predominantemente russa da Crimeia votar esmagadoramente a favor da reintegração à Rússia.
Plataforma de dados
Em 2015, o ex-político ucraniano Oleg Kalashnikov e o jornalista Oles Buzina foram mortos em Kiev depois de terem suas informações vazadas pelo site Mirotvorets, enquanto muitos outros enfrentaram inúmeras ameaças e tentativas de intimidação.
Os Repórteres sem Fronteiras e o Comitê para a Proteção de Jornalistas apelaram ao então presidente ucraniano Pyotr Poroshenko para que condenasse publicamente a campanha de intimidação, mas o pedido foi em vão.
Mirotvorets inclusive pediu às autoridades ucranianas que considerassem as declarações de Galperin durante os procedimentos do TEDH como "atos conscientes contra a segurança nacional da Ucrânia, a paz e a segurança da humanidade e da ordem jurídica internacional, bem como outras violações legais".
Política intimidadora
"Infelizmente, este é apenas mais um exemplo das políticas fascistas de medo empregadas por certos setores das atuais autoridades ucranianas", diz Alan Bailey, um comentarista e ativista político baseado no Reino Unido.
"Qualquer pessoa que ouse falar pública e criticamente" sobre as autoridades ucranianas "corre o risco de ser adicionada à base de dados e de ter os seus detalhes privados expostos a uma audiência pública que certamente incluirá pessoas que lhes desejam fazer mal", declarou Bailey.
O ativista político ainda afirmou que a Ucrânia se recusou a destruir a base de dados, mesmo após o pedido de vários países e organizações internacionais, e que isto é um sinal das políticas atualmente utilizadas pelo país.
"Tudo o que é preciso fazer é falar positivamente sobre assuntos como a forma como os crimeanos estão mais felizes agora como parte da Federação da Rússia, o que é evidente […] e é provável que se encontre um alvo marcado como membro do site Mirotvorets", conclui Bailey.
Entretanto, de acordo com o analista geopolítico Ollie Richardson, Mirotvorets deve a sua existência contínua em grande parte graças ao apoio do Ministério do Interior da Ucrânia.
"A adição deste ou daquele deputado russo ao banco de dados Mirotvorets, cujo conteúdo os tribunais ucranianos usam formalmente como prova, tem pouco a ver com a defesa da Ucrânia contra algum suposto 'agressor', mas é mais sobre o sistema oligárquico tentando permanecer acima da superfície da água", salienta Richardson.
Tentativa de ameaça
Na opinião do analista político britânico Marcus Godwin, a "Lista Mirotvorets é claramente direcionada e intimida as pessoas para silenciá-las, e a inclusão de outro funcionário russo de alto nível para declarar o caso legal da Rússia em Estrasburgo terá o efeito de lembrar a todos nós, que não temos proteção estatal, que pode haver consequências para a declaração pública das nossas opiniões".
"Parece que a Ucrânia procura publicamente manter, fortalecer e explorar a sua imagem hostil junto da Rússia. Incluir essas autoridades russas nessa lista não é apenas controverso. É uma verdadeira provocação", acredita Andy Vermaut, ativista belga dos direitos humanos, adicionando que "até mesmo as Nações Unidas já pediram que este pelourinho público fosse investigado e banido".