A adesão do Brasil à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é uma aspiração antiga, mas que deu passos mais concretos no atual governo. Em março, Jair Bolsonaro (PSL) recebeu promessa do presidente dos EUA, Donald Trump, de que o Brasil teria apoio norte-americano para entrada na OCDE. No dia 10 de outubro veio a público uma carta à organização enviada pelo secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, que não incluiu o Brasil no apoio de Washington e privilegiou Argentina e Romênia.
Na segunda-feira (21), em entrevista publicada no jornal Estado de São Paulo, Angel Gurría minimizou o fato e afirmou que o "O Brasil já é da família", afirmando que a posição dos EUA na carta não é uma surpresa e que, porém, ainda "falta os EUA definirem o Brasil na OCDE".
O cientista político Oliver Stuenkel, coordenador do curso de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), concordou com a fala Gurría no ponto de que a posição dos EUA não surpreende.
"Eu acho que ele [Gurría] está certo de que a carta do Pompeo não é surpresa, porque tanto Argentina quanto Romênia já estavam no processo antes e o próprio secretário-geral da OCDE tinha feito essa sugestão mais cedo este ano", disse o professor em entrevista à Sputnik Brasil, acrescentando que o tema é secundário para os EUA.
Stuenkel também ressalta que a dinâmica por trás do processo de ampliação da OCDE do ponto de vista dos EUA rivaliza com os europeus.
"A principal dinâmica que determina processos de expansão são dinâmicas internas. Os Estados Unidos tendem a ter um ceticismo mais profundo em relação à ampliação rápida e os europeus querem evitar o ingresso de muitos países não europeus", acrescenta.
Já Leonardo Trevisan, professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) em São Paulo, acredita que a fala de Gurría tem um ponto otimista a ser ressaltado.
"O recado mais importante que ele comunicou foi: o Brasil é o país que atende mais os instrumentos normativos dentre todos os candidatos, o Brasil é o país que está na frente e está presente em todos os comitês organizativos da OCDE", disse Trevisan em entrevista à Sputnik Brasil. A presença institucional brasileira na OCDE foi o que motivou a fala de Gurría dizendo que o país já é da família.
EUA querem posição clara do Brasil na disputa com a China
Apesar de acreditar que a atual diplomacia dos EUA é "marcada por certas doses de imprevisibilidade", o professor Leonardo Trevisan arrisca dizer que o nó que precisa ser desfeito para que o Brasil receba o apoio formal dos EUA pode ser a China.
"A sensação, que de alguma forma passa, inclusive para o staff organizativo da própria OCDE, é que os Estados Unidos estão tendo uma posição de reserva quanto ao apoio brasileiro em uma cobrança velada de que o Brasil tome posições muito claras em relação aos Estados Unidos no confronto comercial, por enquanto, com a China", revela.
Trevisan acredita que a disputa entre EUA e China pode ser a justificativa para a forma como os norte-americanos estão encarando o apoio ao Brasil na OCDE.
"A posição brasileira de aproximação com a China por razões comerciais, a posição brasileira de equidistância em relação ao confronto comercial e tecnológico entre os Estados Unidos e China está na raiz desta moderada atitude norte-americana de se aproximar do pleito brasileiro para a OCDE", diz.
O professor Trevisan relaciona a posição dos EUA ao episódio recente da disputa em torno do 5G da chinesa Huawei no Brasil. Ele lembra que no dia 9 de outubro, o embaixador chinês no Brasil, Yang Wamming, em entrevista ao jornal Valor Econômico, afirmou que "a Huawei não será banida" das negociações do 5G no Brasil. No dia seguinte à publicação da entrevista, a carta de Pompeo oficializando a posição dos EUA na OCDE veio a público. O professor também acrescenta que em julho deste ano, o secretário de Comércio dos EUA, Wilbur Ross, já havia afirmado que o Brasil não deveria negociar com a Huawei. Para Trevisan, o recado foi "muito claro".
Adesão terá custos ao Brasil
O professor Leonardo Trevisan alerta que a entrada na OCDE pode custar caro ao Brasil e que por essa razão o tema foi tratado com cautela nos governos anteriores. Uma das razões é a exigência feita pelos EUA ao Brasil de que o país abra mão de seu status na Organização Mundial do Comércio (OMC) - o que para Trevisan pode ser um "preço caro demais".
"Esse é um dos dados que leva a gente a pensar um pouquinho se o ingresso na OCDE precipitado não tem um preço caro demais. [...] Acelerar esse processo pode não ser conveniente totalmente ao país", afirma.
O cientista político Oliver Stuenkel vai pelo mesmo caminho e avalia que a adesão não traz tantas vantagens quanto se imagina.
"A adesão à OCDE é um processo lento e também nem é tão importante assim. É uma coisa boa de se ter, pode criar algum selo de qualidade, mas também não é tanto assim quanto acho que agora se crê no Brasil", aponta.