O sistema judiciário britânico está bloqueando o pedido de um juiz espanhol para questionar Julian Assange em Londres como testemunha em um caso sobre alegações de que a empresa de segurança espanhola Undercover Global S.L. teria espionado o fundador do Wikileaks enquanto ele vivia na embaixada do Equador em Londres, informou El País.
Em 25 de setembro, o juiz José de la Mata enviou às autoridades britânicas uma Ordem de Investigação Europeia (EIO, sigla em inglês) pedindo permissão para interrogar Assange por videoconferência como testemunha no caso aberto pelo Supremo Tribunal de Espanha, a Audiencia Nacional, contra o proprietário da UC Global S. L., David Morales (considerado suspeito), por supostos delitos envolvendo violações de privacidade e de privilégios de cliente-advogado, bem como apropriação indevida, suborno, lavagem de dinheiro e posse criminosa de armas.
A EIO é uma nova ferramenta que acelera a cooperação entre juízes de diferentes países da UE e contorna cartas rogatórias laboriosas baseadas em instrumentos de direito internacional. Trata-se de um procedimento automático, e os pedidos só podem ser rejeitados em casos excecionais.
Documentos e imagens de vídeo revelados anteriormente pelo El País mostram que a UC Global S. L. espiou reuniões de Assange com seus advogados onde sua estratégia de defesa legal era discutida. Morales supostamente ofereceu gravações dessas e outras conversas aos serviços de inteligência dos EUA.
Mas a Autoridade Central do Reino Unido (UKCA, United Kingdom Central Authority), o organismo responsável pelo tratamento e resposta às EIO, recusou provisoriamente o pedido de De la Mata para interrogar Assange e solicitou mais informações, argumentado que "estes tipos de interrogatórios são apenas realizados pela polícia" na Grã-Bretanha e que os eventos descritos pelo juiz espanhol são "pouco claros".
Questionando a relação entre os eventos descritos por De la Mata no seu pedido, ela disse que parecia não haver ligação entre o crime contido nos eventos descritos e a explicação de como esta questão foi levantada, ou o que a Espanha está investigando especificamente. Rashid Begun, que assinou a resposta, também pediu a De la Mata que clarificasse a jurisdição sob a qual a Espanha afirma estar investigando o caso.
A posição britânica, sem precedentes nesses tipos de pedidos de colaboração judicial, está sendo vista pelos órgãos judiciais espanhóis como uma demonstração de resistência contra as consequências que o caso poderia ter no processo de extradição do ciberativista australiano para os Estados Unidos.
Resposta do juiz espanhol
Em 14 de Outubro, De la Mata enviou à agência britânica uma resposta escrita. No documento, o juiz manifestou sua surpresa e referiu-se aos "casos anteriores" em que a UKCA aceitou pedidos de entrevistas por videoconferência.
De la Mata também citou tratados de cooperação internacional que dizem que o único obstáculo nestes casos seria se a pessoa interrogada fosse o acusado. "Neste caso, Julian Assange é uma testemunha, não uma parte acusada", escreveu De la Mata.
O juiz espanhol negou que seu pedido inicial não fosse claro, sublinhando que desde que o crime seja cometido em Espanha e o devido processo seja instruído, o sistema judiciário espanhol tem jurisdição e é competente para inquirir casos de crimes cometidos por cidadãos espanhóis fora do país. Os microfones usados para espionar Assange foram comprados na Espanha e as informações obtidas foram enviadas e carregadas em servidores na sede da UC Global S. L., em Jerez de la Frontera, mesmo que os crimes também fossem "parcialmente" cometidos em outros países, argumentou De la Mata.
De la Mata acrescentou que os crimes (divulgação ilegal de segredos e suborno) são crimes no Reino Unido.
Assange tem estado detido na Prisão de Belmarsh, em Londres, desde que foi expulso da embaixada do Equador em Londres em abril. Está prevista para o início de 2020 uma audiência sobre sua extradição para os EUA. O sistema judiciário dos EUA está acusando Assange de supostamente cometer 18 crimes por revelar no WikiLeaks informações confidenciais sobre operações militares no Iraque e Afeganistão. O ciberativista poderá enfrentar uma pena de até 175 anos de prisão.