Em discurso de abertura do Fórum Brasil África 2019, em São Paulo, o General Mourão afirmou, na manhã desta terça-feira, que "as relações do Brasil com as nações africanas foram, são e serão estratégicas e prioritárias para o Brasil e para os brasileiros", apesar da indicação do atual governo de priorizar os laços com os Estados Unidos e outros países desenvolvidos.
"Nosso país tem procurado atuar de maneira flexível e pragmática diante do atual contexto de instabilidade global", declarou o vice-presidente, acrescentando que o mundo está vivendo uma transição do modelo político e econômico do pós-Segunda Guerra Mundial para "outro modelo, ainda desconhecido e que pode levar algumas décadas até se consolidar".
"O continente africano é culturalmente plural. A África do século XXI é um polo econômico e político emergente e o Brasil deseja contribuir para o seu desenvolvimento e sucesso (...)" diz @GeneralMourao no #BAF2019
— Brazil Africa Institute / Instituto Brasil África (@weareibraf) November 12, 2019
HAMILTON MOURÃO, vice-presidente do Brasil #BrasilAfricaForum pic.twitter.com/HnijuYWHvv
Desde o final do ano passado, a chamada cooperação Sul-Sul vinha sendo vista como um possível foco de problemas ou de pouco retorno por parte da equipe do então presidente eleito Jair Bolsonaro, com o escolhido para assumir o Ministério das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, denunciando supostas falcatruas em parcerias estabelecidas pelo governo do PT com o Sul global.
Apesar de, realmente, o governo brasileiro vir priorizando as relações com os EUA, a cooperação com países em desenvolvimento não foi de todo abandonada pela administração atual, como confirmou, em conversa informal com a Sputnik Brasil, o cônsul honorário do Gabão na capital paulista, Guilherme de Karam Curi.
Cooperação Brasil-África em prol da segurança alimentar
Foi iniciado hoje, em São Paulo, e segue até o fim da tarde desta quarta-feira o sétimo Fórum Brasil África, que tem como principal objetivo fortalecer a cooperação de Brasília com Estados desse continente. A atual edição, que tem como tema a relação entre segurança alimentar e crescimento econômico, conta com representantes de mais de 40 países, entre agentes de governos, empresários, investidores, especialistas e estudantes.
Nesta terça-feira, palestrantes convidados pelo Instituto Brasil África debateram, em diferentes sessões, questões ligadas aos desafios para garantir a alimentação mundial no médio prazo, a modelos inovadores de agroenergia e à agricultura 4.0, que utiliza tecnologias digitais integradas em diferentes etapas da produção.
Um dos presentes na primeira sessão, Daniel Balaban, diretor do Centro de Excelência contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos, compartilhou com a Sputnik sua visão sobre o atual estado da segurança alimentar. Em declarações à agência, ele disse que, ao contrário do que alguns pensam, a produção de alimentos hoje é mais do que suficiente. O problema, segundo ele, é o desperdício.
"Se você pegasse tudo que é desperdiçado de alimento no dia a dia aqui no Brasil, alimentaria metade da África. Então, o problema, hoje, não é de aumentar a produção, é de melhorar os sistemas. Ou seja, os sistemas alimentares que existem em todos os países, fazer com que o alimento produzido chegue à mesa dos mais necessitados", afirmou.
De acordo com Balaban, no caso africano, um obstáculo extra foi levantado com a venda de áreas de cultivo para estrangeiros, que, em vez de produzir para os mercados locais, trabalham com foco na exportação. Além disso, ele explica, existem muitos pequenos agricultores que, muitas vezes, perdem sua produção porque ficam sem ter para quem vender, uma vez que os governos "não têm uma demanda estrutural".
"Por isso que a gente está falando em criar demandas estruturadas, para que o produtor possa produzir o seu alimento com a certeza de que pelo menos uma parte dessa produção vai para as políticas governamentais, tipo alimentação escolar, tipo levar comida para hospitais, tipo levar comida para geriatrias onde tem, ou outros sistemas, como militares também", explicou, destacando que "é para isso que existe o Estado".
De acordo com entidades internacionais, a fome aumentou em todo o mundo ao longo dos três últimos anos, atingindo 820 milhões de pessoas. No Brasil, país que deixou o Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) em 2014, estima-se que, hoje, cerca de 5 milhões de pessoas ainda passem fome.
Para Balaban, esse cenário negativo ainda verificado no país pode ser explicado pela associação entre crise econômica e falta de políticas públicas adequadas nos últimos anos.
"Tudo depende do incremento das políticas. E as políticas diminuíram", destaca. "Logicamente, se você para de fazer o que estava fazendo e estava dando certo, a coisa começa a voltar. Então, o importante, eu acho, é que o Brasil deve continuar a desenvolver as políticas, melhorar o crédito dos pequenos agricultores... Se você quer acabar com a fome, é trabalhando com a população, com as pessoas".
Questionado também sobre o impacto do recente aumento no número de agrotóxicos empregados na produção de alimentos no Brasil, cujo setor exportador é responsável por alimentar mais de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo, o especialista disse considerar essa tendência "um tiro no pé".
"A partir do momento em que está se permitindo o uso desses agrotóxicos aqui no Brasil, vários países do mundo onde é proibido vão dizer: 'Eu não vou comprar essa comida'. Já está acontecendo", alerta. "O agronegócio brasileiro que está usando de montes de tipos de agrotóxicos vai perder dinheiro. E, aí, no momento em que ele perder dinheiro, é que vai aprender a lição, de que não adianta querer resolver os problemas colocando esse monte de porcarias na comida, porque as outras pessoas não vão querer comer."