O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Ministério Público do Rio de Janeiro realizaram nesta quinta-feira o evento "30 anos da Convenção sobre os Direitos da Criança: Reafirmando Compromisso". A Convenção inspirou no Brasil o Artigo 227 da Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente. No entanto, a situação de crianças, adolescentes e jovens do país é no mínimo preocupante e os desafios para a implementação da legislação são grandes.
Sputnik Brasil conversou sobre esse complexo tema com Pedro Pereira, Coordenador Executivo do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDECA Rio de Janeiro), com quase 20 anos de experiência nessa área.
CEDECA é uma rede que atua em diversos estados brasileiros com adolescentes infratores ou em situação de rua, com justiça restaurativa, e executando programa de proteção aos adolescentes e crianças ameaçados de morte.
O Tratado da ONU sobre Direitos da Criança foi aprovado em 1989 após um longo debate mundial e entrou em vigor no Brasil em 1990, através do decreto 99710.
"Os constituintes na época tomaram conhecimento de que a Convenção estava sendo discutida. Como a Constituição é de 1988 e a Convenção é de 89, eles se anteciparam e incluíram na Constituição Federal o artigo 227, que é considerado um resumo da Convenção. Adotaram os capítulos principais da Convenção antes mesmo de ser aprovada", explicou o coordenador da CEDECARJ.
A norma internacional foi incorporada à norma interna após a ratificação, e dessa forma o Brasil assumiu "um importante compromisso com crianças e adolescentes brasileiros e também com a comunidade internacional".
"O grande problema na prática é transformar aquilo que está na lei em ações concretas por parte principalmente do poder público", ponderou Pereira.
Por exemplo, entre as obrigações assumidas pelo Brasil estava o envio de relatórios periódicos ao Comitê da Criança da ONU. O Brasil, no entanto, só apresentou dois relatórios nesses 30 anos. Com base nesses relatórios o "Comitê da ONU apresentou recomendações em 2004 e em 2015 de melhorias do sistema de atendimento de crianças e adolescentes no Brasil. E a grande maioria das recomendações da ONU não foi colocada em prática pelo Estado brasileiro".
De olhos fechados
Segundo o entrevistado pela Sputnik, as recomendações tratam de diversos pontos relativos à educação, saúde, justiça juvenil, morte de crianças, crianças em situação de rua e exploração sexual. Uma das recomendações mais importantes, destacadas pelo especialista, se refere ao monitoramento e coleta de dados.
"Uma das recomendações da ONU para o Brasil, apresentadas em 2004 e que foi repetida em 2015 está relacionada à coleta de dados, monitoramento independente e formação e divulgação da Convenção internamente. Então hoje não existe um sistema de coleta de dados sobre a situação da infância e adolescência no Brasil. E não existe monitoramento independente que avalie se as recomendações feitas pelo comitê estão sendo implementadas pelo Estado brasileiro".
Ou seja, dessa forma não existe uma base de dados confiável para monitorar a situação, e as políticas públicas do setor acabam sendo prejudicadas.
"Se você não tem um sistema confiável de coleta de dados que seja desagregado por área, por sexo, idade, situação econômica de crianças e adolescentes, fica difícil inclusive de discutir e aprovar políticas públicas para essa área", ponderou o coordenador da CEDECARJ.
Para ele, censo demográfico não supre a necessidade de dados sobre a situação.
"Hoje quando você quer saber algo sobre a situação da infância você tem que ir em cada um dos ministérios e colher as informações para reuni-las e sistematizar depois. Não existe um banco de dados nacional sobre a situação da infância", lamentou o entrevistado.
Vontade política
Pedro Pedreira acrescentou que a lei brasileira sobre a Infância e Juventude é "bem avançada para a realidade da América Latina". O problema, no entanto, seria "o grande abismo entre a lei e a realidade".
"O grande desafio é a vontade política de colocar a lei em prática, tornar a lei efetiva. E para tornar a lei efetiva, uma das recomendações do comitê aponta a falta de mecanismos para alocação de recursos do orçamento dedicados especificamente para a proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes", concluiu.