Em conversas com estudantes e jornalistas, o ex-presidente e atual senador uruguaio, José "Pepe" Mujica, disse que a América Latina deve se unir para enfrentar os desafios geopolíticos atuais.
"Sou um sonhador. A América Latina é uma nação ainda não construída [...] construímos vários países. Mas ainda não construímos uma nação", disse.
Para ele, as grandes potências estão se unindo em grandes blocos multinacionais. Nesse contexto, uma América Latina dividida não teria futuro.
"O mundo está se organizando em torno de unidades colossais de Estados multinacionais. A China é uma nação multinacional milenária, a Índia também. A Europa, com todas as suas contradições, luta há um tempo por se unir", explicou.
"E a grande pergunta é: o que vamos fazer nesse mundo nós os latino-americanos atomizados em um conjunto de repúblicas?", questionou.
Para ele, a solução para a divisão latino-americana será apresentada pelas novas gerações, e não por "instituições velhas [...] como a Organização dos Estados Americanos (OEA)".
Derrota na esquerda no Uruguai
Questionado sobre a recente derrota da coalizão de esquerda no Uruguai, Mujica considerou que a estagnação econômica no país, causada em certa medida pelas crises no Brasil e Argentina, teve papel fundamental na vitória do candidato da centro-direita Luis Lacalle Pou nas últimas eleições presidenciais.
"Tivemos um período de crescimento, mas agora a economia está um pouco congelada, porque temos dois vizinhos enormes que estão doentes", disse.
Para o senador, o Uruguai deve se esforçar para não ser "arrastado" para a estagnação econômica da Argentina e do Brasil.
Visita a Evo Morales
Mujica contou que visitou o mandatário deposto da Bolívia, Evo Morales, que recebeu asilo político no México:
"Sou amigo de Evo há muitos anos [...] Nós fomos presidentes, mas não deixamos de ser humanos e temos sentimentos […] Fui visitar um latino americano machucado", contou.
O ex-presidente agradeceu ao México por fornecer asilo ao boliviano e manifestou esperança de que a crise no país andino se resolva de maneira democrática:
"Espero que a desgraça que assola a Bolívia possa ser superada. Parece que há uma saída mais ou menos democrática”, disse, se referindo às prováveis eleições gerais bolivianas.
Recibí la visita del hermano Pepe Mujica, expresidente de #Uruguay y luchador social incansable por la dignidad de nuestros pueblos. Agradezco su solidaridad con nuestra querida #Bolivia en estos momentos. pic.twitter.com/vcagp0S19W
— Evo Morales Ayma (@evoespueblo) December 2, 2019
Recebi a visita do meu irmão Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai e lutador social incansável pela dignidade dos nossos povos. Agradeço a sua solidariedade com a nossa querida Bolívia nesses tempos.
Mujica demonstrou preocupação com a ascensão da intolerância e do fanatismo na América Latina:
"O fanatismo é uma atitude humana. É a negação permanente da convivência, da aceitação intelectual do diferente. O fanatismo é negar o reinado da dúvida. O fanatismo significa ignorar o pouco que sabemos e significa não tolerar a nossa pequenez diante dos desafios que temos que enfrentar", considerou.
Em 28 de novembro, o Tribunal Eleitoral do Uruguai confirmou a vitória do candidato do Partido Nacional, considerado de centro-direita, Luis Lacalle Pou, nas eleições presidenciais. A vitória colocou fim a 15 anos de governo da esquerda no país platino.
José "Pepe" Mujica, por sua vez, foi eleito senador pela coalizão de esquerda Frente Ampla. O agricultor e político foi presidente do Uruguai entre 2010 a 2015, quando obteve 65% de aprovação pela sua gestão.
O ex-presidente e atual senador recebeu o título de "doutor honoris causa" da Universidade Ibero-Americana, na Cidade do México.