Mais de cinco décadas depois, o AI-5 voltou a ser tema de manchetes no Brasil pela boca de autoridades da República. Entre elas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão e também o filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro. O próprio presidente, Jair Bolsonaro, que chegou a repreender as declarações do filho, é conhecido por um histórico de apoio à Ditadura Militar brasileira.
Considerado os mais duro dos 17 atos institucionais da Ditadura, o AI-5 permitiu o fechamento do Congresso Nacional, a intervenção em estados e municípios, a cassação de mandatos parlamentares, a suspensão de direitos políticos e também o fim do direito ao habeas corpus, abrindo espaço para a tortura e prisão arbitrária. Segundo relatório final publicado pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), 434 pessoas foram assassinadas ou desapareceram durante a ditadura militar. A maior parte desses crimes jamais foi solucionado.
Se o discurso autoritário não surpreende, o perigo é real
O cientista político Cláudio Couto, coordenador do Mestrado Profissional em Gestão e Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, afirma, em entrevista à Sputnik Brasil, que a trajetória do presidente Jair Bolsonaro e do núcleo de seu governo não dá margem para surpresa em relação às falas sobre o AI-5. "É o esperado, o surpreendente seria se nós os víssemos criticar o AI-5", diz.
Para o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), tais falas são indícios de que a democracia corre perigo. “A democracia no Brasil corre sérios riscos. Não há a menor dúvida de que o presidente tenha tendências autoritárias, de que ele tenha uma admiração, que ele não esconde, pela Ditadura”, aponta em entrevista à Sputnik Brasil.
O fato de as declarações não serem exatamente uma surpresa também preocupa o cientista político Cláudio Couto. "Isso produz um receio na sociedade porque, afinal de contas, quando um governo que já tem esse viés autoritário claro faz declarações desse tipo [...] é um motivo de preocupação", diz.
Além disso, Couto aponta que não se trata apenas de discurso, mas também de atitudes em relação às instituições.
"A gente tem um governo que nas suas relações com as instituições não se pauta exatamente pelo padrão normal. É um governo que se recusa a reconhecer a legitimidade de opositores, é um governo que ataca todos aqueles que de alguma forma se coloquem como seus adversários", diz Cláudio Couto.
O retorno do AI-5 como farsa
Tal como em 1968, quando o mundo vivia a Guerra Fria, membros governo utilizam a "ameaça comunista" da esquerda como no discurso político. Para Cláudio Couto, trata-se de uma farsa.
"Não existe mais uma ameaça comunista rondando o mundo, o mundo bipolar. Isso deixou de existir. Então isso ressurge hoje, para parafrasear Karl Marx, como farsa, mais do que como tragédia", aponta.
Apesar disso, Couto ressalta que existe uma radicalização do discurso que vai além da polarização política normal em regimes democráticos.
"O que existe efetivamente é uma polarização política bastante radicalizada, uma polarização política que puxa a discussão para extremos", aponta, acrescentando que o governo tem sido um vetor importante do extremismo no Brasil.
"Não é uma direita tradicional, uma direita normal e civilizada. Trata-se, na realidade, de uma extrema-direita", explica.
Não fossem as instituições, já estaríamos sob regime autoritário
O cientista político Cláudio Couto alerta que o governo tem desafiado as instituições do país, mas que elas têm conseguido responder à altura.
"As instituições têm operado no sentido de procurar conter esse governo. Se não houvesse o funcionamento de instituições no sentido de estabelecer essa contenção eu não tenho dúvida alguma que nós já estaríamos vivendo hoje um regime autoritário", alerta.
Um exemplo dessa reação ao governo partiu de um grupo na Câmara liderado pelo deputado federal Alessandro Molon. No dia 27 de novembro deste ano, o deputado levou à Câmara o projeto de lei 6183/2019 que sugere a criação do Dia da Democracia. A data seria comemorada anualmente no dia 13 de dezembro para contrapor o legado do AI-5. O projeto surgiu exatamente contra as falas recentes dos membros do governo.
“O objetivo [do projeto] é permitir que os brasileiros se recordem todo dia 13 de dezembro do período mais triste de nossa história, quando, por um ato de força, a Ditadura Militar baixou o Ato Institucional número 5”, afirma Molon.
O projeto é assinado por 25 deputados de 20 partidos diferentes, que cobrem amplo espectro ideológico, reunindo desde Alexandre Frota (PSDB-SP), ex-base do governo, até Jandira Feghali (PCdoB-RJ), uma comunista declarada.
“Nós fizemos um esforço de ser assinado pelo maior número possível de líderes e pelo mais amplo espectro político justamente para mostrar que esta causa não é uma causa apenas de quem é oposição declarada ao governo, não é apenas uma causa da esquerda, mas é uma causa de todos que têm compromisso com a Democracia”, conclui o deputado do PSB.