O museu vai ser um centro interpretativo com a história do peixe e da ligação com Portugal. Será instalado na torre nascente do Terreiro do Paço, na ponta esquerda de quem olha para o rio Tejo. De acordo com o Turismo de Lisboa, órgão municipal responsável pelo projeto, o Bacalhau Story Centre será "uma homenagem a um símbolo da gastronomia, da cultura e da história de um país que há muito pensa global", diz em nota à Sputnik Brasil.
Veja como vai ficar o novo cais de Lisboa.
— Fernando Medina (@FMedina_PCML) November 27, 2019
Mais Tejo, mais Lisboa. pic.twitter.com/lpv1axbhVZ
Ainda não há muitos detalhes sobre o acervo do museu, mas a prefeitura garante que "será um espaço para lembrar as gerações de marinheiros e pescadores, além de explicar a maneira de ser de um povo sempre pronto a oferecer o que tem e ir até ao fim do mundo para trazer o que lhe falta".
Dos mares do norte
História para contar, o país tem de sobra. A ligação dos portugueses com o bacalhau remonta ao século XIV, quando Dom Fernando I, então rei, fez um acordo com o rei da Dinamarca para pescar nos mares do norte da Europa, tudo por motivos religiosos.
"Na época medieval havia 132 dias em que a Igreja obrigava à abstinência da carne. E como não havia congelamento, nem conservação, era preciso que o peixe pudesse ser conservado, e o sal era um grande conservante. Isso vem nos dizer o porquê de a gente no Natal comer bacalhau. Na época, a semana que antecedia o Natal era de abstinência de carnes", conta à Sputnik Brasil o gastrônomo e pesquisador histórico Virgílio Gomes.
Com o passar dos séculos, o consumo continuou se espalhando pelo país. "O bacalhau começa por se instalar por uma necessidade de termos um peixe que se conserva longe da costa e durante o inverno", explica Virgílio.
Mesmo com a modernidade, os hábitos pesqueiros são mantidos até hoje. "Ele vem dos mares do norte e é sempre preparado a bordo. Ele é limpo, cortado, espalmado e salgado a bordo, depois se faz a cura final aqui em Portugal", diz o gastrônomo.
Impacto econômico
Portugal é considerado o maior consumidor de bacalhau salgado do mundo: são 62 mil toneladas por ano, de acordo com a Associação dos Industriais do Bacalhau (AIB).
A principal parcela do peixe continua sendo pescada longe da costa portuguesa. "Há três grandes países fornecedores. A maior região é no mar de Barents, no Atlântico norte, quase junto ao círculo polar Ártico. Esse recurso é gerido por dois países, a Rússia e a Noruega. A seguir vem a Islândia, que também tem um estoque importante e tradição neste peixe", explica à Sputnik Brasil o secretário-geral da AIB, Paulo Mónica.
Esse consumo interno de Portugal movimenta € 420 milhões por ano (mais de R$ 1,9 bilhão de reais), mas a indústria também alimenta o mercado estrangeiro. Cerca de 25% de toda a produção portuguesa de bacalhau é exportada. "Nesse volume, o Brasil tem um peso muito importante, mais de um terço das exportações são para lá", diz Paulo Mónica. E não é apenas o famoso bacalhau salgado que viaja mundo afora. "As postas congeladas, já prontas a consumir, têm vindo a ganhar peso relativamente ao bacalhau seco", afirma o representante da AIB.
Tradição e futuro
Mais de um terço das vendas de todo o ano em Portugal são feitas justamente no período natalino. A tradição de comer bacalhau, para o gastrônomo Virgílio Gomes, também é mérito da versatilidade do peixe. "O bacalhau é um produto tão flexível que se pode preparar de qualquer maneira", diz.
No entanto, Virgílio chama a atenção para certos exageros da fama internacional. "Não há 500 receitas de bacalhau, é uma mentira. Há alguns anos, consegui identificar que estão na prática dos portugueses por volta de 30 receitas, que se preparam com facilidade", diz o gastrônomo.
Na ponta da língua de quase todo turista estão os nomes dos pratos mais conhecidos. Bacalhau a Brás, a Gomes de Sá, a Lagareiro, com Natas, com Broa. São eles que enchem as bocas e reforçam as lembranças positivas que os estrangeiros levam para casa.
A expectativa da prefeitura é a de que o Bacalhau Story Centre faça parte da consolidação da imagem de Lisboa como uma cidade que preserva o passado e olha para o futuro. O projeto está integrado a um plano maior, de reabilitação para toda a área ribeirinha central do rio Tejo, orçado em € 27 milhões (R$ 122 milhões).
"O Novo Cais de Lisboa devolve o rio aos lisboetas e disponibiliza-o, em todo o seu esplendor, aos visitantes nacionais e estrangeiros que acolhemos todos os anos. Esta obra é, sem dúvida, um passo importante na valorização da cidade e na capacidade de inovação e diferenciação da sua oferta", diz o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, em comunicado sobre o projeto.
As obras começaram pela área das docas. O prazo da prefeitura para conclusão de todo o projeto é 2020, mas não há data definida.