Em setembro de 1519, o navegador português Fernão de Magalhães partiu da Espanha, comandando uma frota de cinco embarcações, para desbravar o desconhecido. Foi a primeira vez na história em que uma missão marítima conseguiu dar a volta ao mundo.
Cinco séculos depois, a tripulação do Sagres zarpa em homenagem ao grandioso feito do conterrâneo. "Neste momento a sensação é de alívio, pelo fato de efetivamente largarmos e começarmos a missão. Nestes últimos dias a ansiedade era muita e agora começa rapidamente a desaparecer. Agora começa a aventura. Estamos à espera de encontrar, como é para uma viagem desta dimensão, bom tempo, mau tempo, estamos à espera de ser visitados por muita gente, que a estadia nos portos seja bastante preenchida", disse o comandante da embarcação, António Maurício Camilo, aos jornalistas.
O Sagres vai parar em 23 portos durante o percurso. Em todos ficará aberto ao público para visita. No cronograma está o Rio de Janeiro, único ponto no Brasil, no dia 10 de fevereiro. Momento que é bastante esperado pela tripulação e que reforça a ligação entre os dois países.
Até 1961, o Sagres se chamava Guanabara e pertencia à Marinha brasileira. O navio foi vendido e entrou para a frota portuguesa em 1962. "O navio é sempre muito bem recebido pelos brasileiros em geral e pela Marinha brasileira, que nos apoia sempre. Temos já uma série de amigos à espera no Rio de Janeiro para que a estadia, como já é habitual, seja um sucesso", disse o comandante à Sputnik Brasil.
O caráter festivo da missão é reforçado por um dos principais compromissos do Sagres durante a viagem: levar a bandeira de Portugal ao Japão, para que seja utilizada pela delegação de atletas na abertura das Olimpíadas de Tóquio. Durante parte da competição, o navio vai permanecer atracado na cidade.
Durante a cerimônia de partida do Sagres, representantes do Comitê Olímpico de Portugal estiveram presentes. Eles entregaram a bandeira ao presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que repassou ao comandante. "É bom que recordem nas vossas memórias, marinheiros de Portugal, marinheiros da Sagres, a honra de representarem Portugal 500 anos depois, de reviverem o passado, de celebrarem esse passado, de afirmarem o nosso presente, de estarem a construir o nosso futuro", disse o presidente em discurso.
Passado e futuro
Em 1519, tudo era desconhecido para Fernão de Magalhães. O português passou pelo trechinho mais difícil de navegar da América do Sul, que logo virou o "estreito de Magalhães". Ao chegar do outro lado, encontrou águas mais calmas depois das tormentas, e foi assim que batizou o novo oceano de Pacífico. De lá, quando olhou para o céu, percebeu algumas estrelas especiais e os registros que fez ajudaram a ciência a identificar dois tipos diferentes de galáxias, que hoje são as Nuvens de Magalhães.
Hoje, não há nenhum elemento desconhecido pelo caminho do Sagres, mas não vai deixar de haver surpresas, principalmente por causa das recentes alterações climáticas globais, explicou o comandante. "Estou a contar que, para além daquilo que temos como referência, possam surgir situações fora do normal e estamos preparados pra isso. O principal é antever."
Pela primeira vez, o navio também tem o caráter científico em uma missão. A bordo há equipamentos para recolha de diversos tipos de dados. "É para estudo do clima. Vamos fazer a medição de campo elétrico, tempestades elétricas, trovoadas. Isto foi uma experiência feita há 100 anos, com métodos mais rudimentares, pelo navio Carnegie, e estamos tentando recriar", explicou à Sputnik Brasil António Ferreira, pesquisador e engenheiro do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESCTEC).
"Além de sensores elétricos temos contadores de radiação, contadores de íons, sensor de visibilidade, que permite aferir se está bom tempo ou mau tempo, GPS. Vamos fazer o registro em longo de todo o percurso em várias condições atmosféricas. A comunidade científica com certeza vai encontrar várias aplicações, que vai resultar em análises sobre o meio ambiente, clima e alterações climatéricas", disse o engenheiro.
Para Fernão de Magalhães a viagem teve um fim trágico. O navegador foi assassinado em 1521, em conflito com nativos de uma ilha que faz parte do atual território das Filipinas. A expedição continuou sob o comando do espanhol Juan Sebastián Elcano e foi oficialmente concluída em 1522, com o retorno à Espanha.
O Sagres vai levar bem menos tempo, vão ser 371 dias de viagem. A recepção de retorno para os 142 militares da tripulação já está marcada para 10 de janeiro de 2021, em Lisboa.