As sanções econômicas reimpostas pelos EUA contra o Irã em 2018 atingiram, pelo menos parcialmente, o seu objetivo de dificultar as transações comerciais do país persa e teriam reduzido o tamanho da economia do país de 10 a 20 pontos percentuais.
Em resposta, os iranianos estão recorrendo cada vez mais às criptomoedas, como o bitcoin, que também chamam a atenção do governo do país, interessado em evitar as restrições norte-americanas.
O governo iraniano declarou seu interesse em desenvolver o comércio em moedas digitais já há algum tempo. Em julho de 2018, a administração do presidente Hassan Rouhani declarou sua intenção de criar uma criptomoeda nacional, que seria lastreada pelo rial, a moeda nacional iraniana.
O Banco Central iraniano também anunciou diversos projetos de desenvolvimento de criptomoedas durante conferência de pagamentos digitais no ano passado, um dos quais já estaria sendo testado por bancos locais, reportou a Foreign Policy.
Os iranianos utilizam cada vez mais moedas digitais, que seriam consideradas uma das únicas formas de enviar dinheiro para fora do país. Atividades como a mineração de criptomoedas, como o bitcoin, chegaram inclusive a ser legalizadas pelo governo, em agosto de 2019.
A mineração de bitcoins é uma atividade bastante difundida no Irã, que conta com algumas vantagens comparativas, como o baixo preço da energia elétrica. Pesquisa conduzida em 2019 mostrou que 25% dos iranianos que usam as criptomoedas conseguiam lucrar entre US$ 500 (cerca de R$2.000) e US$ 3.000 (cerca de R$12.000) por mês com a mineração.
Diversos países demonstraram interesse nesse desenvolvimento vigoroso do uso de moedas digitais no Irã. Em 2017, a Suécia teria autorizado suas empresas startups a investir no mercado de ações iraniano, utilizando bitcoins. Em 2018, as indústrias de tecnologia blockchain do Irã e da Rússia assinaram acordo de cooperação, visando possível ação conjunta para combater as sanções norte-americanas.
No ano passado, a agência de promoção comercial iraniana realizou transações financeiras usando criptomoedas com cerca de 8 países, incluindo a Suíça, África do Sul, França, Inglaterra, Rússia, Áustria, Alemanha e Bósnia e Herzegovina. Até mesmo a União Europeia lançou mecanismo digital para realizar transações financeiras com o Irã, o Instex.
Pedra no meio do caminho para Irã
Mas muitos obstáculos ainda precisam ser superados. As transações virtuais estão exigindo cada vez mais a identificação dos clientes, por meio da ferramenta "conheça seu cliente" (KYC, na sigla em inglês), o que poderia acabar com o anonimato, imprescindível para o Irã, no mercado de moedas digitais.
Além disso, o aumento do uso de criptomoedas por países sob sanções econômicas está levando os EUA a elaborarem mecanismos de controle para o mercado virtual. Em 2018, os EUA incluíram em sua lista de pessoas e empresas sancionadas dois iranianos, apontando os respectivos endereços de suas carteiras de bitcoins.
Novos padrões de uso de moedas digitais, adotados por cerca de 37 países, em 2019, passarão a exigir o uso de KYC em todas as transações, assim como a obrigação de reportar "atividades suspeitas" por parte dos mineradores e usuários de criptomoedas. Essas regulações poderiam excluir o Irã do mercado de moedas digitais de maneira bastante efetiva, acredita a Foreign Policy.
Capacidade limitada dos EUA
Mas a capacidade dos EUA de regular moedas digitais, lançadas por bancos centrais, poderia ser bem mais limitada. Países como a China e a Rússia estão trabalhando em projetos para lançar suas próprias criptomoedas. Pequim promete lançar o seu "yuan digital" ainda neste ano.
Criptomoedas nacionais utilizariam um sistema interno de registro de transações via blockchain, que impediria o acesso de Washington a informações cruciais. Esses instrumentos estariam totalmente fora da arquitetura financeira global sustentada pelos Estados Unidos, por isso poderiam fornecer a países como o Irã uma alternativa real para superar as sanções econômicas.
O Irã entendeu claramente que as moedas digitais podem ser uma maneira eficiente de superar seus desafios econômicos e comerciais. Para enfrentar essa tendência, Washington terá que liderar uma ampla coalizão de países, dispostos a cooperar para controlar essas transações financeiras.
Enquanto isso, não só o governo em Teerã, mas também o povo iraniano, deve usar cada vez mais criptomoedas. As sanções econômicas e a pressão internacional que, conforme declarou um membro do governo israelense, deveriam fazer o Irã "voltar à idade das trevas", podem, ao contrário, estar levando o país à inclusão na era digital.