O plano apresentado pela Casa Branca foi elaborado a portas fechadas, durante os últimos três anos, por um grupo seleto coordenado pelo genro de Trump, Jared Kushner.
O grupo trabalhou em coordenação com o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, mas conversou muito pouco com líderes palestinos, que cortaram relações com Washington após os EUA reconhecerem unilateralmente Jerusalém como a capital de Israel.
Por que o plano foi lançado agora?
O lançamento do plano foi adiado algumas vezes por causa da instabilidade na política interna de Israel. Para formar um governo Tel Aviv irá realizar as terceiras eleições legislativas em menos de um ano, no dia 2 de março.
Além disso, o atual primeiro-ministro interino, Benjamin Netanyahu, deve ser julgado por acusações de corrupção ainda no primeiro semestre de 2020. O especialista do Conselho Russo de Assuntos Internacionais, Sergei Balmasov, acredita que o acordo pode ser uma tentativa de desviar o foco das investigações contra Netanyahu.
"A imagem de Netanyahyu está bastante deteriorada entre os israelenses. Ele precisa fortalecer a sua posição, e os israelenses sabem que é exatamente isso que ele está tentando fazer", disse Balmasov à Sputnik Brasil.
O documento também poderá ser útil para mudar o foco do debate interno nos Estados Unidos, onde Trump enfrenta um processo de impeachment no Congresso. Os democratas, por sua vez, podem utilizar o plano para desmoralizar a Administração Trump.
"Os democratas vão dificultar a execução do plano, eles são a pedra no sapato do Trump", disse Balmasov.
O senador democrata Chris Van Hollen enviou uma carta a Trump denunciando o acordo como "parcial" e que colocaria em xeque a viabilidade dos EUA como um "intermediador confiável" na questão israelo-palestina.
Quais os pontos principais do acordo?
Estado palestino com soberania limitada: O plano propõe a expansão das fronteiras do Estado de Israel, que passaria a incorporar territórios localizados na Cisjordânia. As terras palestinas ficariam, de acordo com o mapa publicado pela Casa Branca, cercadas pelo Estado de Israel e sem acesso a água doce.
O futuro Estado da Palestina, por sua vez, seria privado de "alguns direitos soberanos", informa o documento. A Palestina não teria direito de manter Forças Armadas, uma vez que Israel manteria o controle sobre a segurança e espaço aéreo da Cisjordânia.
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A criação do Estado da Palestina só seria possível após a desmilitarização de Gaza e das "organizações terroristas", o que, de acordo com Balmasov, é um objetivo bastante difícil de ser atingido.
"Esses grupos contam com o apoio de uma parte significativa do povo palestino. Esse objetivo só poderia ser atingido com muito sangue", lamentou o especialista.
Além disso, o futuro Estado da Palestina não teria, segundo o plano, direito a território marítimo: "O Estado de Israel irá manter o direito de soberania sobre as águas territoriais", estipula o documento.
Em contrapartida, Trump prometeu 50 bilhões de dólares para viabilizar o futuro Estado palestino, que seriam disponibilizados por doadores árabes, além de um futuro acordo de livre comércio entre a Palestina e os EUA.
Status de Jerusalém: De acordo com o plano, Jerusalém deve ser a capital indivisível do Estado de Israel. O status de Jerusalém é um dos pontos mais disputados do conflito israelo-palestino, uma vez que a cidade tem grande valor simbólico e religioso para ambos os povos.
A capital do futuro Estado da Palestina seria construída em bairros atualmente localizados nos subúrbios a leste de Jerusalém. Esta capital se chamaria Al Quds, apesar de o documento prever a possibilidade de os palestinos escolherem um nome de sua preferência para a futura cidade.
Anexação do Vale do Rio Jordão: O plano determina que o Vale do Rio Jordão seja anexado pelo Estado de Israel. Na região estão localizados assentamentos judaicos, que seriam legalizados. O plano propõe uma moratória de quatro anos à construção de novos assentamentos.
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu declarou que deve começar os procedimentos para a anexação do Vale do Rio Jordão neste domingo (2).
Caso tome a medida, Israel irá anexar cerca de 30% da Cisjordânia e realizar o antigo desejo de delimitar sua fronteira leste ao longo do rio Jordão, com o aval dos EUA.
De acordo com Balmasov, Israel tem "toda a capacidade técnica" para anexar unilateralmente o vale, "sem sofrer baixas militares significativas", mas o prejuízo à sua reputação internacional seria "inevitável".
"As relações com a União Europeia seriam prejudicadas automaticamente", notou Balmasov.
Para o diretor do Instituto de Pesquisa sobre o Oriente Médio da Universidade Russa da Amizade entre os Povos (RUDN, na sigla em russo), Dmitry Egorchenkov, a anexação seria uma medida arriscada, que poderia fornecer "apoio às teses nas quais se baseiam os palestinos, de acordo com as quais Israel é uma potência ocupante".
Como reagiram os líderes regionais?
O acordo gerou reação imediata do presidente da Palestina, Mahmoud Abbas, que classificou o plano como uma "conspiração".
"Jerusalém não está à venda, nossos direitos não estão à venda ou sujeitos a barganha", declarou Abbas.
No mesmo tom, o ministro das Relações Exteriores da Turquia considerou que o documento é "um plano de anexação, que tem o objetivo de acabar com a solução de dois Estados e roubar terras palestinas".
Para o ministro das Relações Exteriores do Irã, Javad Zarif, o plano lembra "o projeto dos sonhos de uma incorporadora imobiliária fadada ao fracasso", comentou.
Balmasov acredita que o documento pode ter consequências negativas para países da região próximos a Israel, uma vez que a opinião pública árabe apoia, em sua grande maioria, a causa palestina.
"Em países relativamente leais a Israel, como Jordânia e Egito, pode haver consequências graves para as elites governantes", alertou o especialista.
O governo do Egito foi cauteloso e pediu para que "as duas partes avaliem" o plano "com cuidado [...] e abram caminhos para o diálogo sob os auspícios dos EUA".
A Jordânia declarou "apoiar todos os esforços genuínos para atingir a paz", mas reiterou que mantém o seu apoio à criação de um Estado palestino independente, baseado nas fronteiras pré-1967 e com Jerusalém oriental como sua capital.
O que os especialistas acham do plano?
Egorchenkov acredita que, ao contrário das expectativas, o acordo trouxe poucos "elementos novos":
"Um 'acordo do século' teria que ter elementos novos, mas este documento [...] é uma compilação de ideias antigas, combinadas de maneira tendenciosa", declarou.
A cerimônia de lançamento, realizada na Casa Branca, em Washington, demonstraria o que os analistas estão denunciando como um plano largamente favorável a Israel. Na ocasião, Trump estava acompanhado de líderes israelenses, mas não havia nenhum palestino presente.
"Podemos afirmar de forma totalmente objetiva que Trump tenta impor uma agenda pró-Israel", disse Balmasov.
Egorchenkov concorda, e acredita que essa tendência pode estar ligada ao estilo de fazer negócios do presidente dos EUA.
"O presidente Trump tem uma ideia particular de como fazer negócios, para ele uma parte deve ganhar e a outra perder praticamente tudo. E é assim que o documento aborda a questão [israelo-palestina]", declarou o especialista.
Os analistas apontaram que o objetivo do documento pode ser modificar as bases para futuras negociações e colocar os palestinos em posição defensiva.
"Trump entende perfeitamente o quão fantasioso é o seu plano e, caso o plano venha a falhar, o que é bastante provável que aconteça, ele pode lavar as mãos e colocar a culpa nos palestinos", disse Balmasov.
Egorchenkov lamentou que o plano não tenha conseguido atingir um objetivo básico, que é convencer as partes a sentar na mesa de negociações.
"Um plano no qual a administração norte-americana trabalhou durante tanto tempo deveria ter no mínimo colocado os líderes dos dois Estados, Palestina e Israel, na mesa de negociações. Nem mesmo esse objetivo foi atingido", declarou.
E o que o Brasil achou disso?
O Itamaraty declarou, nesta quarta-feira (29), seu apoio à proposta da Casa Branca.
"A proposta, que visa à convivência pacífica e viável, tanto do ponto de vista de segurança quanto territorial e econômico, do Estado de Israel e de um Estado palestino, constitui um documento realista e ao mesmo tempo ambicioso", declarou o ministério.
Desde a posse de Jair Bolsonaro, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil vem modificando sua posição tradicional em relação ao conflito israelo-palestino, que defendia a solução de dois Estados independentes baseados nas fronteiras pré-1967.
Anteriormente, membros da família do presidente brasileiro haviam declarado que o Brasil mudaria a sua embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, seguindo os passos da posição adotada pela Administração Trump.
O Brasil tradicionalmente se considera parte interessada no conflito, uma vez que a resolução que criou o Estado de Israel, aprovada na ONU em 1948, foi assinada pelo brasileiro Oswaldo Aranha.