Pela primeira vez na história da Rússia contemporânea, em janeiro de 2020 o serviço de inteligência russo publicou o nome de sete ex-agentes de inteligência que atuavam ilegalmente no estrangeiro.
A Sputnik Mundo conversou com a coronel aposentada Tamara Netyksa, que contou detalhes de sua atividade como agente ilegal na América Latina entre 1978 e 1998.
A oficial revelou que durante os 20 anos que passou no continente americano só falava em idioma espanhol com seus filhos e seu marido, o agente secreto Vitaly Netyksa.
"Enquanto trabalhamos no estrangeiro, Vitaly e eu não pronunciamos nenhuma palavra em russo sequer", assegura a ex-agente secreta.
Netyska recorda, no entanto, que uma vez, logo no início da sua carreira, disse uma frase em russo sem se dar conta, quando morava com uma família latino-americana.
"Foi a única vez na minha vida que, antes de dormir, ao invés de falar em espanhol 'buenas noches', disse em russo 'spokoinoi nochi'. Mas não aconteceu nada, ninguém percebeu", revelou.
A coronel aposentada acredita que o incidente contribuiu para que ela nunca mais cometesse o mesmo erro, o que a incentivou a não falar russo em nenhuma ocasião, nem quando estava sozinha com seu marido.

Ao recordar as dificuldades da vida de espiã clandestina, Netyska lembra a impossibilidade de cozinhar pratos russos, mesmo em dias de festa, para que seus filhos e amigos não suspeitassem da sua real identidade.
Ela conta como seus filhos finalmente conheceram o borsch, uma sopa de beterraba tradicional russa.
"Tinha uma família que morava no nosso prédio, que todos achavam que era da Rússia, apesar de eles não saberem nenhuma palavra em russo. A esposa cozinhava borsch, e um dia trouxe um pouco para nós provarmos", contou.
A filha de Netyska adorou a sopa, apesar de que "estava fria", e passou a pedir para sua mãe que a preparasse.
Assim, Netyska passou a preparar esse prato tradicional russo. Caso alguém perguntasse por que o fazia, ela dizia que havia aprendido a receita com sua vizinha.
"Nada pode ser considerado de pouca importância no nosso trabalho, assim, a esposa [de um espião] deve ser capacitada em todos os assuntos de inteligência ilegal", explicou Netyska.
A ex-oficial conta que ela era a responsável por muitos aspectos da segurança do casal, era encarregada de estabelecer relações com os vizinhos, zeladores e vendedores locais.
Ela revela que uma jovem espiã deve "manter-se atraente" e conta que foi cortejada por muitos homens latino-americanos.
"Claro que eu chamava a atenção, e houve ocasiões em que [homens] declaravam seu amor, mas que isso representasse algum obstáculo, não, isso nunca aconteceu", assegurou.
Além da aparência, uma jovem que decida seguir o seu exemplo deve sentir um amor verdadeiro pelo seu país, acredita Netyska.
Para ela, "dominar um idioma na perfeição não é o suficiente", acrescentando que "com isso o máximo que se pode fazer é viajar ao exterior como turista".
"Também recomendaria que as jovens façam tudo para ampliar os seus horizontes, elevar o seu nível cultural, aprofundar os seus conhecimentos [...] Um agente secreto precisa saber muito, caso contrário está fadado ao fracasso", ressaltou.
Tamara Netyska nasceu em 1949 e foi casada com Vitaly Netyksa, condecorado Herói da Rússia e já falecido.