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Atuação de Bolsonaro na crise do coronavírus poderia ditar seu futuro político?

© REUTERS / Amanda PerobelloPaulistano projeta imagem do presidente Jair Bolsonaro e de seu ministro da Saúde, Luiz Mandetta, em fachada de prédio durante novo panelaço, em São Paulo, 19 de março de 2020
Paulistano projeta imagem do presidente Jair Bolsonaro e de seu ministro da Saúde, Luiz Mandetta, em fachada de prédio durante novo panelaço, em São Paulo, 19 de março de 2020   - Sputnik Brasil
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Com crise do coronavírus, destino de Jair Bolsonaro está menos em quem bate panelas contra ou ao seu favor, e mais "no grupo que fica no meio, olhando para ver", disse cientista político à Sputnik Brasil.

Na quarta-feira (18), dia em que o presidente participou de coletiva admitindo a gravidade da pandemia do coronavírus, mas também defendendo sua ida às manifestações do dia 15 de março, mesmo contra as recomendações do Ministério da Saúde, um grande panelaço contra Bolsonaro foi ouvido de janelas de várias cidades do Brasil.

Como resposta, o chefe de Estado mobilizou seus apoiadores a também bater panelas, mas ao seu favor. Para Carlos Sávio Gomes Teixeira, professor do departamento de ciência política da UFF (Universidade Federal Fluminense), o coronavírus representa um "desafio para a maneira do presidente governar", algo que pode ter um "efeito político devastador".

© Folhapress / Futura PressMoradores de prédio participam de panelaço contra presidente Bolsonaro na região da Santa Cecilia, em São Paulo
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Moradores de prédio participam de panelaço contra presidente Bolsonaro na região da Santa Cecilia, em São Paulo

Ele acredita que a situação sanitária e econômica causada pela COVID-19, doença provocada pelo vírus, tem chances reais de levar à "derrota" de Bolsonaro. Mas seu destino não dependeria dos apoiadores fiéis ou dos críticos ferrenhos do presidente, que batalham nas janelas de panelas nas mãos.

'Se desgarrando do espectro do bolsonarismo'

"Esses dois grupos, no atual contexto politico brasileiro, não são os mais relevantes, o mais relevante é aquele grupo que fica no meio, olhando pra ver, e esse grupo vem se desgarrando lenta e progressivamente do espectro do bolsonarismo. As pessoas que não são bolsonaristas e ainda apoiam o governo são consideráveis, mas vem se reduzindo", afirmou Sávio.

O gesto de Bolsonaro de pedir aos seus apoiadores para darem resposta ao panelaço foi comparado com alguns à atitude do ex-presidente Fernando Collor de Melo à beira do impeachment, em 1992. À época, ele conclamou os brasileiros a irem às ruas vestidos de verde amarelo. Totalmente isolado, o pedido acabou gerando mais oposição e o movimento dos caras pintadas.

'Bolsonaristas hardcore'

Segundo os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, a situação de Bolsonaro hoje é diferente da vivida por Collor. Teixeira ressalta que o atual presidente ainda conta com "apoio na sociedade" e existe um grupo de cerca de "vinte por cento" da população de "bolsonaristas hardcore, que provavelmente vão morrer com ele, mesmo que o "governo caminhe para uma estágio terminal".

© FolhapressMovimento dos caras pintadas surgiu após ex-presidente Collor pedir para brasileiros saírem às ruas vestindo verde e amarelo
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Movimento dos caras pintadas surgiu após ex-presidente Collor pedir para brasileiros saírem às ruas vestindo verde e amarelo

Para Clarisse Gurgel, do departamento de ciências sociais da Uni-Rio, o paralelo que pode ser feito é do governo Bolsonaro com as Marchas da Família com Deus pela Liberdade dos anos 60, com retórica anticomunista e a favor de valores cristãos.

"O presidente está tendo que reinventar sua forma de resistência, ou, no caso dele, reinventar sua forma de agitação. O panelaço representa muito mais setores progressistas de esquerda aprendendo com os argentinos [essa forma de protesto teria começado na Argentina] do que Bolsonaro colorindo [referência a Collor] sua forma de atuar. O que resta a ele é dar uma resposta na mesma estética, uma nova estética que não permite aglomerações e é um desafio para todos os lados", afirmou Clarisse.

'Enorme dificuldade em governar'

Segundo Sávio, Bolsonaro tem uma "enorme dificuldade em governar, no sentido convencional do termo", por isso sua gestão "é uma extensão de uma campanha eleitoral permanente", alimentada por "crises", reais ou fabricadas. Além disso, o cientista político diz que o presidente não tem "um projeto de governo", apenas pensa na "manutenção do poder".

"Só que nesse contexto veio a crise do coronavírus, que colocou um desafio para o qual essa lógica do presidente Bolsonaro não esta preparada para lidar", afirmou o professor da UFF, para quem Bolsonaro está "encurralado por essa circunstância nova e inesperada".

Clarisse também avalia que "Bolsonaro vive de excitações diárias, de uma dramaturgia, de criar tumultos".

Por outro lado, a professora da Uni-Rio acredita que existe um projeto de governo em andamento no país, que "segue avançando em seu projeto original, com coronavírus ou sem coronavírus", e que ultrapassa até mesmo a figura de Bolsonaro.

'Vírus do neoliberalismo'

"Se nós nos distrairmos com as alegorias e adereços de Bolsonaro, a gente não vai atentar para o principal vírus que está tomando conta do mundo, que é o vírus do neoliberalismo", disse Clarisse.

Para a acadêmica, o coronavírus acaba trazendo à tona uma polarização muito mais profunda na sociedade, entre o "lucro" e a "solidariedade", o "capital" e o "social".

A professora diz que a postura do governo Bolsonaro diante da crise é "perversa", pois estaria se aproveitando do momento para "tirar direitos trabalhistas e sociais" e se preocupando apenas em "garantir o lucro das empresas".

'Carona na quarentena'

Ao mesmo tempo, ela afirma que nunca precisamos tanto de um "social" totalmente "inclusivo" e de "serviços públicos como o SUS" (Sistema Único de Saúde).

"O governo pega carona na quarentena para avançar na deterioração dos direitos no Brasil. Mas enquanto nos gabinetes e plenários destroem o social, é o social que está salvando a população do país", disse Clarisse.
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