Quais serão os efeitos da quarentena na arrecadação do governo brasileiro?

© Folhapress / Sergio LimaPrédio da Receita Federal em Brasília
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Diversos estados, municípios e até o governo federal já encontravam, em tempos normais, dificuldades em fechar suas contas. Com os efeitos da pandemia do coronavírus, a tendência é que essas dificuldades sejam significativamente acentuadas.

De acordo com um estudo publicado pelo Instituto Brasileiro de Tributação, o isolamento social imposto pela crise sanitária pode provocar uma queda de até 39,3% na arrecadação de impostos no Brasil. 

A pandemia do coronavírus vem fazendo com que governos federal, estaduais e municipais aumentem seus gastos com saúde e assistência social, o que causa um impacto na arrecadação e gera preocupações sobre como essa conta inesperada será fechada. A Sputnik Brasil explica o que está em jogo para a economia brasileira no período de quarentena. 

Compensação a estados e municípios

A Câmara dos Deputados aprovou na última segunda-feira (13) a proposta que prevê a compensação das perdas de estados e municípios com a arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e com o Imposto Sobre Serviços (ISS). O texto ainda tem que ser submetido ao Senado.

O objetivo da proposta é diminuir os efeitos da crise causada pelo avanço do novo coronavírus, que atingiu diretamente a atividade econômica nos últimos meses e prejudicou a arrecadação dos estados e municípios.

De acordo com o projeto, a União fará repasses para compensar as perdas de estados e municípios por um período de seis meses, a partir de maio e prosseguindo até outubro, acompanhando as projeções do Ministério da Saúde em relação à pandemia do coronavírus.

​"Ninguém quer que o governo dê mais do que foi a arrecadação nominal. O que estamos propondo é que a União reponha o que estados e municípios perderam durante esta crise. A arrecadação caiu e as medidas têm de ser urgentes", declarou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

"Ou nós vamos de forma emergencial garantir o valor nominal da arrecadação de estados e municípios ou eles vão ficar inviabilizados de atender a população no máximo em 30, 60 dias, dependendo da situação de cada estado", acrescentou.

Governo critica socorro e alerta sobre crise de endividamento

O Ministério da Economia, por sua vez, divulgou na quarta-feira (15) uma nota criticando o impacto fiscal da proposta de compensação aos estados e municípios durante a pandemia de coronavírus, aprovada na última segunda-feira pela Câmara dos Deputados.

De acordo com a nota, assinada pelo secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, a regra de compensação de receitas estabelecida pela proposta de ajuda a estados e municípios pode ter um impacto de R$ 28 bilhões a cada 10% de perdas na arrecadação de impostos regionais.

© Folhapress / Pedro LadeiraPresidente Jair Bolsonaro ao lado do ministro Paulo Guedes (Economia) durante cerimônia de lançamento do programa de taxa fixa no crédito imobiliário da Caixa, no Palácio do Planalto
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Presidente Jair Bolsonaro ao lado do ministro Paulo Guedes (Economia) durante cerimônia de lançamento do programa de taxa fixa no crédito imobiliário da Caixa, no Palácio do Planalto

A equipe econômica do governo prevê que o seguro contra queda na receita de governos locais pode ter um impacto de R$ 93 bilhões, mais que os R$ 89,6 bilhões indicados por deputados.

"A noção de que um governo não pode se endividar infinitamente é dominante para a academia e outros agentes econômicos. Assim, é apenas parcialmente correta a ideia de que a União tem mais flexibilidade para se financiar com dívida do que os Estados e Municípios", diz trecho do documento, citado pelo O Globo. 

De acordo com ministro da Economia, Paulo Guedes, a recomposição integral das perdas de estados e municípios por parte do governo federal "seria uma irresponsabilidade fiscal e incentivo perverso, um cheque em branco para governadores de estados mais ricos".

Endividamento 'brutal' 

O economista Gil Castello Branco, em entrevista à Sputnik Brasil, disse que, diante dessa crise mundial, toda a arrecadação do governo está sendo afetada, e quaisquer medidas a serem tomadas neste período de isolamento social terão como fonte o endividamento das contas públicas.

"A crise vai implicar em um aumento brutal do endividamento do governo federal, até porque somente o governo federal pode emitir títulos e colocá-los no mercado, o que não é permitido para estados e municípios. Então há estimativas de que esse endividamento vai agora se aproximar a 89% do PIB", afirmou. 

De acordo com ele, o governo federal tem uma situação privilegiada de poder emitir títulos, o que não é permitido aos estados e os municípios. "É exatamente por essa razão que o governo federal está tendo que repassar recursos aos estados e municípios para compensar essa perda na arrecadação de praticamente todos os impostos", afirmou.

"Nós estamos falando de um endividamento que será brutal em função de que não há outra solução. Realmente, a União vai ter que se endividar para socorrer os estados e municípios no que eles estão precisando. Então na verdade todas essas medidas que estão sendo tomadas, seja o auxílio aos informais, sejam as medidas ligadas à manutenção do emprego e da renda [...] Todas essas medidas que estão sendo tomadas estão tendo como fonte o endividamento", explicou Gil Castello Branco.

O economista apontou três saídas para financiar esse endividamento: "Uma seria aumentar a receita; a outra seria reduzir a despesa; e a terceira seria um misto dessas duas primeiras possibilidades".

"No caso do aumento da receita, isso teria que acontecer, sobretudo pelo reaquecimento da economia. É isso que se desejaria. Caso contrário, teríamos sim que pensar num aumento de impostos, algo que não será tolerado facilmente pela sociedade brasileira, ainda mais em um ano que nós temos eleições municipais, e que dificilmente passaria no Congresso", afirmou.

Cenários possíveis

A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão do Senado Federal, divulgou nesta semana o relatório de Acompanhamento Fiscal, elaborando projeções de três cenários - cenário base, pessimista e otimista - para a economia brasileira, levando em consideração estimativas do tempo que pode durar a quarentena.

De acordo com o cenário base da IFI, a projeção de receitas para 2020 aponta uma queda de R$ 151,3 bilhões em relação a 2019.

"Isso afetará as projeções de déficit primário para o ano, que incorporam efeitos dos novos gastos para o combate à crise, além de causar mudanças em projeções de rubricas como o seguro-desemprego, naturalmente maior em tempos de crise. O novo déficit do governo central deverá ficar em R$ 514,6 bilhões e, para o setor público consolidado, projeta-se déficit de R$ 549,1 bilhões, uma piora de 5,9 pontos percentuais do PIB em relação à projeção de novembro de 2019", diz o estudo.

Nesse contexto, de acordo com o relatório, "a dívida pública crescerá fortemente em 2020, devendo encerrar o ano em 84,9% do PIB e crescendo, no cenário base, até mais de 100% do PIB em dez anos".

© AP Photo / Andre PennerAnalistas observam gráficos na bolsa de valores de São Paulo Bovespa
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Analistas observam gráficos na bolsa de valores de São Paulo Bovespa

"Esse aumento se dará a taxas decrescentes, o que indica possível estabilização nos três anos após 2030, mas trata-se de um quadro muito negativo, que demandará esforço das autoridades para recobrar um quadro de relativa normalidade no pós-crise do coronavírus", acrescenta o relatório de Acompanhamento Fiscal. 

De acordo com os cenários base e otimista do estudo, as receitas devem voltar a crescer em 2021, em linha com o PIB.

"Nos cenários base e otimista, a perda de receitas é parcialmente revertida já em 2021, quando o PIB volta a crescer a taxas similares às apresentadas na revisão de cenários de novembro passado. No entanto, em nenhum momento no horizonte de projeção as receitas [bruta e líquida], medidas como proporção do PIB, convergem para a projeção anterior", analisa a IFI.

No cenário pessimista da revisão atual, por sua vez, o relatório observa piora nas projeções de crescimento real do PIB, com as taxas convergindo para 1,2% de 2023 em diante. De acordo com a IFI, o "risco de insustentabilidade é alto e a dívida pode aproximar-se de 140% do PIB em 2030".

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